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Cooperativa de crédito, mais que uma instituição, uma comunidade

Em dezembro de 1993, depois de mais de dez anos trabalhando como economiário – empregado de caixa econômica – e ver a instituição em que eu tinha entrado por concurso público aos dezoito anos ser liquidada pelo governo Collor, tive a grata satisfação de ser apresentado a uma cooperativa de crédito.
 
A convite do presidente, Flávio Vaz Lima, passei alguns dias na Cooperativa de Crédito Rural de Arcos LTDA – Crediarcos, no centro-oeste mineiro, para entender a dinâmica da instituição. Os associados, produtores rurais e mineiros, num primeiro momento, com a melhor educação, mostravam-se ressabiados, mas foram logo se aproximando e, quando eu pensava que podia ensinar, acabei aprendendo muito do mais sublime que carrego pela vida.
 
Era interessante ouvir associados e seus familiares chamarem a instituição de “banquinho”, e eu até entendia que tal expressão depreciava a cooperativa, mas logo percebi que se tratava de uma referência positiva, com grande apelo sentimental, pois se sentiam banqueiros, já que eram - e são - donos do negócio, mas, por outro lado, o termo “banquinho” era apropriado também pela concepção da cooperativa, que, para os serviços de retaguarda, dispunha praticamente de uma única mesa. O único computador existente recebia os dados da movimentação no final do dia, quando um empregado digitava todos os depósitos e cheques que o caixa havia recebido durante o expediente.
 
Os talonários de cheques – já que ninguém usava cartão – eram compostos na hora da solicitação e cada folha tinha os dados do associado impressos com o uso de carbono e uma prensa. Imagina você se a impressão carbonada borrava em alguns momentos. 
 
Apesar da humilde estrutura da instituição financeira cooperativa nos primeiros anos de vida, somava-se à capacidade empreendedora e aglutinadora dos associados o perfil de dedicação e doação dos funcionários. Tempos de muitas dificuldades, mas a união de associados dispostos a fazerem a cooperativa crescer, líderes aguerridos e empregados motivados geraram as condições perfeitas para que os obstáculos fossem sendo transpostos, um a um.
 
Com a visão que tenho hoje, verifiquei na prática a visão dos precursores do cooperativismo, os chamados socialistas utópicos da primeira metade do século XIX. Eles defendiam que a sociedade podia ser mais igualitária – mais justa, portanto – ao contarmos com voluntários para a modificação social. Foi esse raciocínio que possibilitou, por exemplo, a formação de comunidades de cooperação integral e autossuficiente, também conhecidas como falanstérios (comunas), idealizadas pelo francês Charles Fourier (abril de 1772 – outubro de 1837).
 
O momento era de grave crise e a revolução industrial deixava rastro avassalador de pobreza, porque as máquinas substituíam a mão-de-obra e os operários demitidos ou empregados em condições sub-humanas - chegavam a trabalhar 17 horas por dia - não sabiam o que fazer. Isso tudo num mundo que tinha sido balançado pelos ideais franceses de “liberdade, igualdade e fraternidade”, que paradoxo, não?
 
As comunidades propostas objetivavam que cada pessoa entrasse com o que tinha, consideradas as propriedades móveis, imóveis e o trabalho e produziam para atender as necessidades dos membros da comunidade e, interessante, que a visão de cooperação perpassava até as roupas desenhadas para os membros dos falanstérios que tinham os botões nas costas, assim as pessoas precisavam umas das outras até para se vestirem.
 
O que interessa aqui é o aprendizado, desde o nascedouro do cooperativismo, de que, nos piores momentos, o ser humano pode e deve buscar soluções na cooperação.
 
Essa situação era vivenciada pelos produtores rurais da pequena Arcos, uma cidade com características mais industriais do que agropecuárias – o que já é um dificultador natural - num momento em que os financiamentos rurais eram escassos e a exploração dos bancos, com tarifas e juros altos, dificultava muito a atividade, sem falar que uma das instituições mais atuante, ao lado do Banco do Brasil, no atendimento aos agropecuaristas do município, a Caixa Econômica do Estado de Minas Gerais,  havia sido liquidada em 1991.  
 
Interessante registrar que, mesmo nos momentos iniciais, com baixo nível de capitalização, a cooperativa financeira retribuía a dedicação e fidelidade dos associados com atendimento diferenciado, taxas competitivas e praticamente sem cobrança de tarifas e, mesmo assim, conseguiu, ano a ano, sobreviver, crescer, transformar-se em livre admissão e somar-se a outra cooperativa do vizinho município de Pains, formando o Sicoob União Centro-Oeste.
 
Hoje a imprensa brasileira já comenta sobre as cooperativas de crédito e chega mesmo a sugerir que essas instituições devem ser procuradas como alternativa ao sistema bancário nacional, pelas facilidades que apresentam, principalmente com relação às taxas de juros e tarifas, o que é a pura verdade.
 
Em reportagem televisiva do dia 06/08/2015, um entrevistado chegou a dizer que as tarifas bancárias são altas e que, mesmo fazendo pesquisa de preço, não é fácil achar uma alternativa, porque os valores cobrados são muito parecidos.
 
Charles Fourier faleceu em 1837, mas o espírito de união, criando comunidades – no caso, financeiras -  logicamente adequadas ao momento histórico contemporâneo, continua sendo o modo mais fácil de resolver problemas, se quiser verificar, basta procurar uma cooperativa de crédito e, se não encontrar em sua região, quem sabe está na hora de mobilizar a comunidade e adotar providências para se ter uma.
 
(*) Palestrante e educador, atua com governança corporativa, gerenciamento de riscos operacionais, controles internos (compliance), gestão de continuidade de negócios e prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.

José Carlos de Assunção

 

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