Responsável pela produção da maior parte dos alimentos que chegam,
todos os dias, à mesa dos brasileiros, a agricultura familiar começa a
se destacar, também, na produção e venda das oleaginosas que dão origem a
uma das mais importantes fontes de energia renovável do planeta: o
biodiesel. As novas culturas, que convivem cada vez mais com a produção
de alimentos — prioridade dos agricultores familiares —, já propiciaram
que, nos três primeiros trimestres deste ano, as aquisições da
matéria-prima do combustível (grãos e óleos) realizadas pelas usinas de
biodiesel atingissem R$ 1,15 bilhão. A previsão é de que o total chegue a
R$ 1,4 bilhão até dezembro, com crescimento de 32% em relação ao R$
1,058 bilhão de 2010, quando as vendas dispararam 56% em comparação aos
R$ 677,34 milhões de 2009.
O cálculo é do coordenador geral de Biocombustíveis da Secretaria da
Agricultura Familiar (SAF) do Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA), Marco Antônio Viana Leite. De acordo com ele, mais do que um
complemento na renda dos pequenos agricultores, o biodiesel representa
uma reserva de mercado para todos os produtores de oleaginosas, sejam
eles de médio e grande portes da Região Sul, onde já estão mais
organizados; de menor porte, no Centro-Oeste, onde a maioria vive em
assentamentos; ou produtores de mamona no Nordeste, região onde vivem
cerca de 40% dos agricultores familiares.
Para Marco Antônio, a previsão de crescimento de 32%, em reais, para
este ano, se confirmada, é bastante significativa, ainda que o volume
por agricultor registre aumentos menores. “O que ocorre, na verdade, é
um aumento da produtividade e, eventualmente, da área plantada, por
parte dos agricultores familiares”, observa. Especificamente em relação à
soja, os grandes agricultores ainda respondem pela maior parte da
produção e da venda, em termos de volume bruto. Mas a tendência, de
acordo com o coordenador da SAF, é que a diferença vá diminuindo.
“Estamos com uma nova Instrução Normativa, que deve entrar em vigor
ainda este ano, e que aumenta a obrigatoriedade de compra de percentuais
da agricultura familiar. Então, no médio prazo, caminhamos para um
equilíbrio”, analisa Leite.
O biodiesel é um combustível renovável derivado de óleos vegetais,
como soja, girassol, mamona, soja, babaçu e demais oleaginosas, ou de
gorduras animais, usado em motores a diesel. Desses óleos vegetais que
compõem o biodiesel, a soja responde por 84%. Para se identificar, em
todo o mundo, a concentração do biodiesel na mistura com o diesel
mineral, convencionou-se usar a letra B seguida do número que
corresponde à quantidade de biodiesel na mistura. Assim, se uma mistura
tem 5% de biodiesel, é chamada B5; se tem 20% de biodiesel, é B20.
Atualmente, o biodiesel vendido nos postos pelo Brasil possui 5% de
biodiesel (B5).
A elevação desse percentual para, por exemplo, 6%, como defendem
alguns especialistas, seria bem-vinda na medida em que aumentaria a
quantidade de energia limpa utilizada e reduziria a emissão de poluentes
como monóxido de carbono e enxofre. Mas essa alteração ainda depende de
algumas adequações. Segundo Marco Antônio, o aumento será interessante
para o Brasil se vier acompanhado de inclusão social, produtiva e de uma
política que atenda todas as regiões e não apenas as mais competitivas.
“Não se trata de um simples aumento; tem um contexto ambiental, social,
econômico, microrregional, territorial. Caso contrário, corremos o
risco de ficar igual à cana, cuja produção está concentrada em São
Paulo”, alerta.
O Programa
Criado pelo Governo Federal em janeiro de 2005, por meio da Lei
11.097, o Programa Brasileiro de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB)
surgiu com a finalidade de estimular a produção e uso do biodiesel de
forma sustentável, com enfoque na inclusão social e no desenvolvimento
regional, via geração de emprego e renda. O PNPB prevê, entre outras
vantagens, a redução de tributos federais sobre a produção de biodiesel,
desde que as empresas produtoras incluam, em seus projetos, a
agricultura familiar, obtendo, assim, o Selo Combustível Social, um
instrumento de incentivo ao setor produtivo e que tem contribuído para o
desenvolvimento do programa. O resultado, após seis anos, é que,
praticamente, todos os projetos no mercado contam com a participação dos
agricultores familiares.
Graças ao PNPB, existem, atualmente, 63 Polos de Biodiesel no Brasil,
que abrangem 1.091 municípios, onde o MDA concentra esforços de
organização da base produtiva de diferentes tipos de oleaginosas
produzidas pela agricultura familiar. Os polos de produção de biodiesel
do Ministério também identificam as potenciais áreas produtoras e
realizam ações de integração entre as empresas interessadas em trabalhar
na região.
“Poderíamos definir da seguinte maneira: dentro do Programa Brasil Sem
Miséria temos três motes. O primeiro são as políticas de transferência
de renda, como o Bolsa Família; o segundo, é o acesso a políticas
públicas, como o Luz Para Todos; e o terceiro, a inclusão produtiva
Então, o PNPB vem nessa direção. Claro que com dificuldades, com
desafios, mas que estão sendo superados nessa caminhada”, avalia Marco
Antônio.
No Brasil, o número de agricultores que participam do PNPB passou de
15 mil em 2005, para 51 mil em 2009, e alcançou 100 mil em 2010. A
previsão é de que, em 2011, chegue a 112 mil. Para se ter uma ideia da
importância dessa evolução, em termos regionais (Nordeste), esses
números foram, respectivamente, de 16 mil, 17,7 mil, 41 mil e projeção
de 45 mil para 2011. O aumento dessa participação, no entanto, depende
de resultados de pesquisa, desenvolvimento e investimento (PD&I) em
oleaginosas sustentáveis e de incentivos para compensar as desvantagens
competitivas das regiões mais carentes.
Na Região Norte, o Programa de Produção Sustentável de Palma de Óleo
funciona como alternativa estratégica para a diversificação de matérias
primas para o biodiesel, geração de energia para comunidades isoladas,
recuperação de áreas degradadas, regularização fundiária e geração de
renda. Atualmente, existem 10 empresas já instaladas ou em processo de
instalação realizando parcerias com 2.000 famílias de agricultores
familiares que acessam o Pronaf Eco Dendê.
A grande importância da produção de biodiesel está nos benefícios
sociais e ambientais que esse novo combustível pode trazer. Além de
representar uma alternativa de energia limpa, o biodiesel contribui para
a geração de empregos no setor primário, algo bastante relevante em
termos de desenvolvimento social. Com isso, evita-se o êxodo do
trabalhador no campo e se reduz o inchaço das grandes cidades,
favorecendo o ciclo da economia autossustentável, essencial para a
autonomia do país.
Para o economista da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos
Vegetais, Daniel Furlan Amaral, a agricultura familiar é o grande
diferencial do PNPB. “O olhar do governo para o pequeno produtor é um
ponto muito positivo. E não só para o produtor de soja, mas também de
outras culturas que passaram a ser mais incentivadas, como a canola, a
palma e a mamona. Do mesmo modo, outras regiões passaram a ser mais
valorizadas, como o Norte e Nordeste”, explica. Furlan também elogia as
revisões feitas pelo governo, por meio de Instruções Normativas, no Selo
Combustível Social, concedido aos produtores que promovam,
comprovadamente, a inclusão e o desenvolvimento regional.
Selo
Dentre os benefícios que o selo propicia aos produtores de biodiesel,
destacam-se o regime diferenciado nos tributos PIS/Pasep e Cofins, bem
como participação assegurada de 80% do biodiesel negociado nos leilões
públicos da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis
(ANP). Atualmente, 35 empresas já operam com o Selo Combustível Social,
estimulando e fortalecendo mais de 100 mil famílias e 60 cooperativas de
agricultores familiares produtoras de oleaginosas em todo o País,
dentro de um parque industrial composto por 60 usinas.
Da capacidade total de produção de biodiesel comercializada no País em
setembro de 2011 (6,0 milhões de m3 por ano), quase 90% (ou 5,4
milhões) tinham o selo. Até o fim de 2010, 60% das usinas de biodiesel
em todo o País trabalharam com agricultores familiares e apresentavam o
selo. Para participar do mercado de matéria-prima do biodiesel, os
agricultores familiares ou cooperativas podem ofertar seu produto a uma
empresa produtora do combustível que possua o selo.
Até agosto de 2011, o Centro-Oeste e Sul respondiam pela maior
participação regional da produção de biodiesel, com, respectivamente,
38,9% e 38%. Apesar da liderança, a região Centro-Oeste vem perdendo
espaço a cada ano, já que em 2008 respondia por 45,1% da produção,
enquanto o Sul apresentava apenas participação de 26,8%.
No cenário mundial, desde os anos 1990, vários países começaram a
avançar na produção e consumo do biodiesel, motivados basicamente pela
consolidação do conceito de desenvolvimento sustentável. O Brasil tem se
situado sempre entre os três maiores produtores e consumidores, com
pequenas diferenças em relação aos líderes. Na produção e no uso do
biodiesel, a Alemanha está na frente com, respectivamente, 2,611 bilhões
de m3 e 2,764 bilhões. Em termos, ainda, de produção, o Brasil aparece
em 2º. lugar, com 2,397 bilhões e a Argentina em 3º. lugar, com 2,056
bilhões. Já o segundo maior consumidor é a França, com 2,689 bilhões,
seguida do Brasil, com 2,449 bilhões de m3.
Cooperativas
Outra forma de organização estimulada pelo Governo Federal para o
desenvolvimento do biodiesel são as cooperativas. As usinas com o Selo
Combustível Social podem adquirir diretamente dos agricultores
familiares ou de suas cooperativas agropecuárias. Com a venda coletiva,
em grandes quantidades, é sempre possível negociar melhores preços com
as empresas. Em 2008, a participação das cooperativas era semelhante à
venda de agricultores familiares mas, depois, no ano passado, passou a
ser o dobro. “Estamos dando foco nas cooperativas porque se o agricultor
familiar tiver um empreendimento dele, futuramente ele poderá deixar de
ser vendedor de soja ou de óleo e virar um produtor de biodiesel,
efetivamente”, disse Marco Antônio.