Empregados domésticos ainda com poucos direitos
16/01/2012

Por que em um País onde quase oito milhões de pessoas sobrevivem do
emprego doméstico, as leis trabalhistas são tão insuficientes para esses
trabalhadores? Este é um dos questionamentos que a ministra do Tribunal
Superior do Trabalho (TST), Delaíde Alcântara, faz durante suas
palestras pelo Brasil. Ela esteve essa semana em Belém, proferindo
palestra de abertura do ano judiciário do Tribunal Regional do Trabalho
(TRT8). Delaíde defende que o Brasil pode igualar os direitos
trabalhistas das empregadas domésticas aos dos trabalhadores comuns,
mesmo sem o País ter ainda aderido à convenção da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) para equiparação do trabalho doméstico
às outras categorias. A ministra, que já foi empregada doméstica na
juventude, assumiu o cargo em novembro de 2011, indicada pela Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB). Ela ressalta que se considera uma otimista
incorrigível e que somente através da educação conseguiu chegar ao topo
da sua carreira - e que é preciso incentivo às empregadas domésticas
para que busquem a superação pelos estudos. Veja entrevista concedida às
repórteres Aline Brelaz e Thaís Corrêa.
P: Há muita diferença entre as leis destinadas a empregadas domésticas no Brasil e em outros países em desenvolvimento?
R:
O trabalho doméstico no Brasil é uma situação de descaso legislativo.
Em 1943, a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] excluiu o trabalho
doméstico. Quase 30 anos depois, veio uma lei específica para o
trabalho, estendendo apenas alguns direitos, como férias, décimo
terceiro. A Constituição de 1988 também excluiu o trabalhador doméstico.
Enumerou alguns direitos. Estendeu-se por muitos anos na Justiça do
Trabalho a discussão se a gestante doméstica teria garantia de emprego.
Em alguns tribunais reconheciam que sim, em outros não. Foram 18 anos de
discussão, até que veio uma lei específica para dar essa garantia ao
trabalhador doméstico. Igualar os direitos trabalhistas para os
trabalhadores domésticos é um resgate que o Brasil precisa fazer. Para
isso é necessária uma emenda constitucional, onde, no artigo 7°, se
acrescente o trabalhador doméstico.
P: A discussão ressurgiu com a convenção da OIT, mas já chegou no Congresso Nacional. Há alguma perspectiva recente?
R:
A convenção e a recomendação da OIT foram em junho de 2011. Eu
participei e foi muito interessante. Traz igualdade de direitos e os
principais pontos são a obrigatoriedade do FGTS para os trabalhadores
domésticos, além de hora extra e redução de jornada.
P: O que ainda falta os empregados domésticos conquistarem no Brasil?
R:
Posso dizer que não tem FGTS, seguro-desemprego, porque a lei é
condicional. Costumo dizer que é a única lei condicional do mundo. O
empregador só deposita o FGTS se quiser. Isso confunde muito o
trabalhador doméstico. O Brasil tem 7,2 milhões de trabalhadores
domésticos. É a maior categoria profissional do país. Dessas, 93% são
mulheres, a maioria negras. Então temos aí discriminação de gênero e de
raça.
P: A jornada das empregadas domésticas também é outro aspecto preocupante, não é?
R:
Sim. Há pesquisa constatando que a jornada média da empregada doméstica
no Brasil é de 58 horas semanais, e sem direito a hora extra.
P:
A senhora defende que, ainda que o Brasil não tenha assinado a
convenção da OIT, ele já poderia adotar as medidas de equiparação dos
direitos trabalhistas dos trabalhadores domésticos?
R: Eu entendo
que sim. Porque a OIT adotou uma convenção? Desde 2008 a OIT vem
estudando no mundo as condições dos trabalhadores domésticos e foi
detectado alto índice de deficiência. As questões tratadas são trabalho
infantil, jornada excessiva e igualdade, o que a Constituição prevê, mas
que na prática não é assegurada aos trabalhadores domésticos. Tudo isso
enquadraria essas questões como de direitos humanos. E e sendo direitos
humanos, a norma internacional é auto-aplicável, não depende de
regulamentação.
P: Em relação ao FGTS, há levantamento sobre o número de empregadores que cumprem essa norma ainda opcional?
R:
Essa medida foi instituída em 2001. Mas, não temos esse levantamento de
quantos empregadores aderiram. Porém, sabemos que o índice de
informalidade é superior a 50%. Na prática, em observação, deve ainda
ser um número irrelevante, inferior a 10%.
P: Também há discussões sobre a regulamentação do trabalho das empregadas domésticas diaristas?
R:
Isso é muito importante. O que acontece: Tem diarista que na verdade
não é diarista. Por exemplo, três famílias contratam a mesma empregada
para trabalhar em três casas. Isso não é diarista. É uma empregada
doméstica trabalhando em três casas. Agora tem a diarista mesmo, aquela
que tem status de empregadora, pode treinar outras pessoas para a função
e oferecer o trabalho a várias casas.
P: Então aquela que trabalha dias alternados, mas que é fixa, é considerada empregada doméstica?
R:
Sim. Aquela que fixa e que ganha um salário compatível com emprego
doméstico é empregada doméstica. Porque às vezes três moças solteiras
dividem a mesma empregada. Quando se trata de diarista, são aquelas que
cobram R$ 40, R$ 50, R$ 60, R$ 80 por dia, dependendo do grau de
profissionalização. Essa não. Porque quem ganha R$ 60 dia, ganha R$ 1800
por mês, em tese. Aí não se enquadra como empregada doméstica. Mas,
precisa uma legislação para assegurar a inscrição na previdência para
essa categoria de trabalhadores, para que não fiquem desamparadas dos
benefícios da previdência social como autônomas.
P: Há diferença entre as garantias trabalhistas para empregadas domésticas entre as regiões brasileiras?
R:
Não há muitas informações sobre este aspecto. Li recentemente que ainda
há muito trabalho infantil doméstico aqui na região Norte. O
levantamento do IBGE mostra que é bem maior que nas outras regiões.
P:
A senhora tem uma história de vida que pode inspirar muitas
trabalhadoras domésticas a lutar por seus direitos e a buscar melhorias?
R:
Eu gosto muito de falar sobre isso, porque considero muito que
incentiva não só as empregadas domésticas, mas também os estudantes que
não nasceram em condições financeiras privilegiadas para que se motivem
através do estudo, única forma de ter acesso a uma condição melhor. Eu
nunca acreditei que o fato de eu ter nascido pobre fosse empecilho. Eu
sempre procurei superar estudando, lendo, procurando participar de
congressos, de tudo que a escola pudesse me oferecer. Só através da
educação poderemos ter ascensão profissional.
P: Para estudar as empregadas precisam de redução de jornada de trabalho?
R:
Sim, defendo a redução da jornada e o acesso a escolas públicas de
qualidade. A pessoa precisa ter condição de conciliar a profissional com
os estudos e a vida familiar, que no caso da mulher é jornada tripla.
(Diário do Pará)