O Brasil enfrenta uma crise crescente com o acesso a jogos de apostas online. Dados recentes da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), revelam que 63% dos apostadores comprometem seu orçamento doméstico com apostas e muitos acabam endividados. Mas por que isso está acontecendo de forma tão rápida e intensa? A resposta pode ser encontrada tanto nos processos cerebrais que moldam nossas decisões, quanto nos mecanismos econômicos.
Nosso cérebro, embora extraordinário, é vulnerável a certos mecanismos de recompensa. Quando apostamos e ganhamos, o sistema de recompensa do cérebro é ativado pela dopamina, um neurotransmissor responsável por sensações de prazer e motivação, que cria uma sensação imediata de euforia, o que nos faz querer repetir o comportamento. Com as apostas online, essa ativação é ainda mais rápida e intensa, pois o retorno é imediato. O problema é que, na maioria das vezes, as pessoas perdem mais do que ganham, mas o cérebro ainda insiste em focar nas vitórias, o que nos leva a continuar apostando.
Esse ciclo é reforçado por vieses cognitivos como o otimismo exagerado, que nos faz superestimar as chances de ganhar. O fato de os jogos darem a falsa sensação de controle – como se o jogador tivesse poder sobre o resultado – cria uma armadilha emocional. É a chamada ilusão de controle, muito comum em jogos de azar, onde o jogador acredita que suas escolhas afetam diretamente o resultado, quando, na realidade, tudo é aleatório.
Veja essa cena: Luana é uma jovem de 22 anos e estuda administração. Tem dois principais sonhos: ajudar financeiramente a sua família e realizar sua independência. Nas redes sociais, ela vê influenciadores promovendo apostas online com promessas de ganhos fáceis. Tentada pela ideia de complementar sua renda, começa a apostar pequenas quantias em jogos de futebol e cassinos online. Em pouco tempo, o que parecia uma diversão inofensiva se transforma em um vício, levando Luana a gastar tudo o que tinha e, eventualmente, pedir empréstimos para cobrir as dívidas.
Assim como a estudante de administração, milhares de brasileiros estão caindo nessa armadilha emocional e financeira. Ainda de acordo com o estudo da SBVC, o gasto com apostas online passou de 0,8% da renda familiar em 2018 para até 2,7% em 2023. Para sustentar o vício, 23% dos participantes disseram deixar de comprar roupas, 19% pararam de fazer compras no supermercado, 14% renunciaram a produtos de higiene e beleza e 11% deixaram de cuidar da saúde e de comprar medicações.
Caminhos para fugir dessa armadilha
Diante de um cenário tão desafiador, é possível evitar cair nessa armadilha emocional e financeira? Sim, existem maneiras de se proteger. Abaixo, listo algumas dicas.
- Educação Financeira: compreender os riscos e as armadilhas do comportamento humano é o primeiro passo. A educação financeira pode ajudar a avaliar melhor as consequências de suas decisões e a estabelecer limites claros para gastos com apostas.
- Reconhecer os Sinais: identificar que o jogo está saindo de controle é essencial. Caso perceba que as apostas estão tomando espaço nas suas finanças ou no seu bem-estar emocional, é hora de buscar ajuda, seja com familiares, amigos ou profissionais. Vícios em jogos, assim como outros demais tipos, podem ser tratados com apoio psicológico e, em alguns casos, com grupos de apoio especializados.
- Evitar a Ilusão de Controle: lembrar-se constantemente de que os jogos de azar são puramente aleatórios é importante para não cair na falsa crença de que suas ações podem mudar o resultado.
- Estabelecer Limites: definir um orçamento para o lazer e nunca ultrapassar esse valor pode prevenir problemas maiores. Se o comportamento se tornar compulsivo, considerar parar totalmente pode ser a melhor solução.
O vício em jogos de apostas online no Brasil é um problema que vai além da economia e toca em questões emocionais e cognitivas profundas. Nosso cérebro, em busca de recompensas imediatas, muitas vezes nos leva a decisões impulsivas e arriscadas. Geralmente, usa atalhos mentais – conhecidos como heurísticas – para tomar decisões rápidas, mas sem muita precisão. Assim como Luana, milhares de brasileiros enfrentam esse dilema diariamente. A solução passa por conscientização, educação e apoio para que possamos, juntos, combater essa epidemia de vício em jogos, a fim de proteger o bem-estar financeiro e emocional das famílias brasileiras.