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Autogestão e o Golpe do Ativismo no Cooperativismo

O cooperativismo nasceu como um modelo econômico e social alternativo, baseado na solidariedade, na participação democrática e na busca coletiva pelo bem-estar comum. No entanto, ao longo de sua história, tem sido alvo de apropriações indevidas, tanto pelo Estado quanto pelo mercado. Mais recentemente, um novo fenômeno vem corroendo suas bases: o ativismo performático, que transforma a luta cooperativista em um discurso vazio, descolado da realidade das cooperativas e de suas necessidades concretas.

O que é a autogestão no cooperativismo?

A autogestão, um dos princípios fundamentais do cooperativismo, pressupõe que os próprios cooperados administrem suas organizações de maneira coletiva e participativa. Diferente da autonomia, que pode ser interpretada como uma independência formal diante do Estado e do mercado, a autogestão exige envolvimento ativo e responsável dos cooperados em todas as decisões da cooperativa.

O desafio da autogestão sempre esteve em equilibrar a participação democrática com a eficiência organizacional. No entanto, esse equilíbrio tem sido ameaçado por um fenômeno preocupante: o ativismo que se apropria do discurso cooperativista sem compromisso com a prática real da autogestão.

O ativismo como golpe no cooperativismo

Nos últimos anos, observa-se um crescimento de movimentos e lideranças que se apresentam como defensores do cooperativismo, mas que, na prática, reduzem sua atuação a discursos e eventos vazios, sem impacto real sobre as cooperativas. Esse ativismo se manifesta de diferentes formas:

  1. O discurso sem prática – São comuns eventos, congressos e seminários onde se discute a importância da cooperação, da solidariedade e da sustentabilidade, mas sem propostas concretas para a melhoria da gestão das cooperativas. Essa retórica vazia serve mais para autopromoção de certos "líderes" do que para o fortalecimento do movimento.
  2. A instrumentalização política – Grupos políticos, tanto de esquerda quanto de direita, tentam apropriar-se do cooperativismo para validar suas agendas. De um lado, há aqueles que o tratam como uma mera extensão de políticas públicas assistencialistas, esvaziando sua autonomia. De outro, há os que o veem apenas como um instrumento de mercado, ignorando seus princípios sociais e democráticos.
  3. A burocratização do cooperativismo – Entidades representativas e órgãos reguladores, em vez de facilitar a vida das cooperativas, criam um labirinto burocrático que desestimula a participação dos cooperados e favorece a concentração de poder nas mãos de tecnocratas e gestores externos. O resultado é um afastamento da autogestão real.
  4. O financiamento sem transformação – Muitos projetos e iniciativas voltados ao cooperativismo recebem financiamento de organismos internacionais, ONGs e governos. No entanto, esses recursos frequentemente são desviados para estudos, consultorias e capacitações que não chegam à base. O dinheiro circula entre as elites burocráticas do setor, sem impacto significativo na vida dos cooperados.

Os riscos para o futuro do cooperativismo

O ativismo performático no cooperativismo pode levar a consequências graves:

  • Despolitização dos cooperados – Quando o discurso cooperativista é esvaziado de sua prática, os próprios cooperados perdem a conexão com os princípios do movimento e tornam-se meros espectadores da administração da cooperativa.
  • Desacreditação do modelo – O fracasso de cooperativas mal geridas, burocratizadas ou instrumentalizadas politicamente contribui para a ideia de que o cooperativismo não funciona, reforçando a dependência do mercado capitalista tradicional ou do Estado.
  • Enfraquecimento da intercooperação – O sexto princípio cooperativista, que trata da intercooperação entre cooperativas, é um dos mais prejudicados quando o movimento é tomado por interesses externos. Em vez de promover parcerias reais, cria-se uma rede de eventos e discursos que não geram resultados concretos.

Recuperando o verdadeiro espírito da autogestão

Para enfrentar esse golpe do ativismo no cooperativismo, é fundamental retomar o compromisso com a prática real da autogestão. Algumas ações urgentes incluem:

  • Formação crítica dos cooperados – A educação cooperativista deve ir além de treinamentos burocráticos e abordar temas como participação democrática, gestão financeira e estratégias de intercooperação.
  • Transparência na gestão – Cooperativas devem adotar mecanismos que garantam o envolvimento real dos cooperados nas decisões e evitem a concentração de poder em pequenas elites.
  • Valorização da intercooperação real – Em vez de buscar reconhecimento em eventos e fóruns sem impacto prático, as cooperativas devem se conectar diretamente entre si, trocando experiências e promovendo negócios conjuntos.
  • Resistência à instrumentalização política e mercadológica – O cooperativismo deve se afirmar como um modelo autônomo, sem se tornar um braço do Estado nem um nicho explorado pelo mercado.

O cooperativismo não precisa de discursos vazios, mas de práticas concretas que fortaleçam a autogestão e garantam seu papel como uma alternativa viável e sustentável à economia tradicional. O maior desafio não é defender a ideia do cooperativismo, mas sim aplicá-la na realidade cotidiana das cooperativas.

Rosalvi Maria Teofilo Monteagudo

Contista, pesquisadora, professora, bibliotecária, assistente agropecuária e articulista na internet. Mestre em cooperativismo pelo CEDOPE/UNISINOS, em São Leopoldo – RS. Foi editora responsável do boletim informativo do ICA/SAA, São Paulo, no qual criou o espaço “Repensando o Cooperativismo”. Organiza cursos, conferências, estandes em feiras e já foi voluntária na Pastoral da Criança.

 

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