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Cooperativismo do Século XXI

O cooperativismo do século XXI precisa buscar sua autonomia financeira e romper com a interferência do Estado, muitas vezes expressa pela submissão ao capital. Essa dependência aprisiona as cooperativas em uma lógica de tutela, onde legislações engessadas e políticas públicas fragmentadas mantêm as organizações cooperativas como peças periféricas de um sistema econômico excludente, centrado no lucro e na concentração de poder.

Paul Singer, um dos mais lúcidos pensadores da economia solidária no Brasil, afirmou que "a economia solidária é a expressão de uma nova cultura econômica, baseada na solidariedade, na autogestão e na cooperação entre os trabalhadores". Para ele, o cooperativismo deve ser compreendido como um instrumento de emancipação social e não como mera estratégia de sobrevivência no mercado.

Karl Polanyi, em A Grande Transformação, alertava para os riscos de submeter todos os aspectos da vida ao mercado. Segundo ele, a mercantilização das relações humanas corrói a coesão social. Nesse sentido, o cooperativismo — ao cultivar laços comunitários, autogestão e solidariedade — é uma força contra-hegemônica que deve se desvincular das amarras estatais e das pressões do capital financeiro.

David Bollier, teórico dos bens comuns, propõe que a sustentabilidade de iniciativas solidárias exige infraestruturas autônomas, que permitam às comunidades gerirem coletivamente seus recursos, valores e decisões. Essa perspectiva se aproxima da necessidade de criar ferramentas tecnológicas e organizacionais próprias, que sirvam aos objetivos do cooperativismo e não aos interesses de agentes externos.

Nesse horizonte de inovação ética e política, destaca-se a proposta de Rosalvi Monteirudo, que idealiza uma plataforma digital colaborativa como instrumento essencial para a consolidação da intercooperação entre cooperativas e entre cooperadores donos. Essa plataforma, sustentada por um software colaborativo, permitirá o mapeamento de necessidades, a troca de soluções, o financiamento mútuo, o planejamento compartilhado e a formação de um sistema global interligado de cooperativas autônomas.

Trata-se de uma resposta concreta ao desafio da fragmentação. Através dessa interconexão tecnológica e solidária, o cooperativismo poderá constituir um novo poder socioeconômico. Mariana Mazzucato, ao defender o papel transformador do Estado empreendedor, afirma que a inovação deve ser pensada como um bem público. No caso de Rosalvi Monteirudo, o cooperativismo inverte a equação: é o próprio Estado que passa a precisar do cooperativismo, pois é este que produz, inova, integra e protege os mais vulneráveis com dignidade e autonomia.

Boaventura de Sousa Santos, ao propor uma "democracia de alta intensidade", nos convida a repensar as formas de participação social. O cooperativismo, quando munido de autonomia, tecnologia solidária e organização sistêmica, é a expressão concreta dessa democracia plural, radical e necessária.

 

Conclusão

O tempo da dependência terminou. O século XXI exige um cooperativismo que pense e atue com a potência de um sistema global solidário. A submissão ao Estado e ao capital precisa dar lugar à soberania cooperativa, organizada em rede, sustentada por plataformas de intercooperação como a idealizada por Rosalvi Monteirudo.

Neste novo cenário, não é mais o cooperativismo que precisa do Estado — é o Estado que precisa do cooperativismo para enfrentar as desigualdades, reconstruir o tecido social e abrir caminho para uma nova economia fundada na dignidade humana e na inteligência coletiva. A era da intercooperação digital começa agora — e com ela, a verdadeira democracia da cooperação.

Rosalvi Maria Teofilo Monteagudo

Contista, pesquisadora, professora, bibliotecária, assistente agropecuária e articulista na internet. Mestre em cooperativismo pelo CEDOPE/UNISINOS, em São Leopoldo – RS. Foi editora responsável do boletim informativo do ICA/SAA, São Paulo, no qual criou o espaço “Repensando o Cooperativismo”. Organiza cursos, conferências, estandes em feiras e já foi voluntária na Pastoral da Criança.

 

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