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Cooperativas de Trabalho

- O que são cooperativas de trabalho?
- Quais as suas origens e a sua história?
- Qual é o seu principal objetivo?
 
Tentar responder a estas questões é o objetivo deste documento.
 
Para isso vamos utilizar os testemunhos dos que escreveram sobre as cooperativas de trabalho e demonstrar que sempre estiveram ao serviço de quem delas necessita, muito embora a sua importância seja desvalorizada pelos poderes públicos e até pelas cooperativas dos outros ramos.
 
Não querendo, de modo nenhum, pôr em causa a importância dos Pioneiros de Rochedale (1844) como uma referência do cooperativismo moderno, muito embora se tratasse de uma cooperativa de consumo, a verdade é que estiveram na origem das cooperativas de trabalho as gritantes necessidades dos cidadãos para conseguirem sobreviver.
 
Nas palavras de Georges Fauquet (1835), “As cooperativas de trabalho são estruturas muito simples. Em muitos casos, não chegam mesmo a ter necessidade de obter uma forma jurídica precisa. É suficiente que nasçam e funcionem por acordo entre os seus membros. Assim é, por exemplo, o caso das cooperativas dos estivadores, trabalhadores encarregados do carregamento e descarga dos navios. E assim igualmente as chamadas equipas cooperativas, permanentes ou temporárias, que se constituem para a execução em comum de uma tarefa determinada.”.
 
Realmente, foi na segunda metade do século XIX, que estas cooperativas começaram a sua atividade não sendo detentoras dos meios de produção mas sim da contratação, mesmo que precária, do direito à sua utilização.
 
José Frederico Laranjo (1886) refere que “As cooperativas para as obras ou serviços de utilidade pública ou particular são companhias de operários que se formam para concorrerem com capitalistas, com companhias formadas por eles, na arrematação ou adjudicação de obras ou serviços de interesse público ou particular.”.
 
Falando das padarias cooperativas, Augusto Fuschini (1889) diz-nos que “Como todas as cooperativas de produção, envolvem dificuldades de várias ordens. A organização de uma vasta padaria, com fornos e amassadouras, depósitos, material, etc, exige capitais importantes, que a forma cooperativa reúne, em regra, vagarosamente, mas as principais dificuldades deste intento estão, a meu ver, na falta, ainda evidente entre nós, de educação social e administrativa nas classes operárias e proletárias, para não falar da direcção técnica que, embora exercendo-se superiormente, carece de conhecimentos especiais e de experiência. … todavia, sem duvida alguma, esta fórmula será a mais benéfica para os associados e a de mais larga influência no regime da industria da padaria.”.
 
Apenas como um exemplo, não obstante esta nota pouco favorável de Fuschini acerca das capacidades das “...classes operárias e proletárias...”, a padaria cooperativa de Angoulême (Comuna Francesa) foi criada em 1867 e, em 1868, fabricou 310 toneladas de pão. Em 20 anos sextuplicou a sua produção.
 
No entendimento de João Sá da Costa (1959), falar de cooperativa de trabalho é o mesmo que falar de cooperativa de mão-de-obra, comandita de tempo parcial, equipa cooperativa, ou sub-empresa de associação operária.
 
Este doutrinador também nos surpreende ao relatar que “Muito embora o sindicalismo adopte, pelo menos em parte, atitude diversa  da do cooperativismo de mão-de-obra e ainda que doutrinariamente não sejam coincidentes é igualmente exacto constatar que a cooperativa de mão-de-obra nasce do sindicato.
Porquê assim? Porque ambas as organizações conduzem, por métodos diversos (e com índole também diversa), uma luta no sentido da emancipação económico-social dos trabalhadores...”.
 
“Em França, pós a primeira insurreição verdadeiramente operária (Lyon 1831), multiplicam-se as associações de trabalhadores, não já tendo apenas o aspecto mutualista, mas surgindo como autênticas 'sociedades de resistência', com funções de sindicato e também de cooperativista.”.
 
“Inicia-se, entretanto, em Paris, a publicação do mensário 'Atelier' (1840), feito por operários tipógrafos, e que se apresenta como 'órgão especial da classe laboriosa', desenvolvendo intensa campanha a favor da emancipação económica dos trabalhadores através da associação, e, em especial, da associação cooperativa; e daqui nascem as comanditas ou cooperativas de mão-de-obra (a primeira, em 1853).”.
 
M. Sancisi, sob o titulo “De l'action syndicale a l'action coopérative, Genebra 1942”, referindo-se à experiência italiana comenta que “As diferentes etapas dos esforços de organização dos operários 'braccianti' para melhorar as suas condições de emprego e se libertarem do regime de assalariado, estão marcadas pela passagem da equipa de mão-de-obra, formada por operários sindicalizados, à equipa  cooperativa constituída pela organização sindical, e assumindo a função de sub-empresa … passando mais tarde à cooperativa de mão-de-obra como instituição autónoma.”.
 
Para encerrarmos estes testemunhos não podemos deixar de recordar a descrição de Vieira da Luz  que trata as “cooperativas de trabalho em África (1957)”.
 
Relata que “No fundo dos graves problemas de mão-de-obra indígena e da morosidade na elevação moral e material das pobres populações africanas está sem dúvida, o capitalismo egoísta, que no além-mar requintou os seus processos, que viciam e envenenam as relações entre negros e brancos.
 
Assim pensam muitos missionários e com eles o Padre Boganda, de raça negra, … grande propagandista do cooperativismo, porque conhece experimentalmente os altos benefícios civilizadores das sociedades cooperativas.
 
Entre nós, declarou o Padre Boganda …, a gente não é muito trabalhadora. Os métodos antigos de colonização … baseados no trabalho forçado, não modificaram em nada a situação,  pois quando se suprimiu esse trabalho forçado a maioria dos indígenas não viu somente a abolição do trabalho forçado, mas toda a espécie de trabalho. Pus-me a estudar a maneira de acostumar a população de Grimari, Berkala e arredores a um trabalho regular e de levantar-lhe o nível de vida. Foi então que resolvi criar, com a ajuda de alguns amigos, as cooperativas de trabalho.
 
Os membros dessas cooperativas contribuem com o seu trabalho, que é remunerado com um salário regular da caixa da cooperativa. Os que se distinguem pela qualidade do seu trabalho têm direito a um prémio. De três em três meses os sócios dividem entre si os dividendos, recebendo-os quer em dinheiro, tecidos, sapatos ou artigos de utilidade doméstica. Em caso de enfermidade ou licença a cooperativa intervém nas despesas e às mulheres grávidas concede auxílios especiais.
Há os que aprendem a ler e a escrever para trabalhar nos escritórios das cooperativas e que recebem o mesmo salário que os outros.
O Padre Boganda afirmou que a experiência das cooperativas de trabalho tem dado tais resultados que deveria desenvolver-se em maior escala desde que contace com o apoio do Governo.”.
 
É evidente a atividade das cooperativas de trabalho em vastas áreas.
 
Para demonstrar a sua capacidade de intervenção, não poderemos deixar de as enunciar.
 
São elas: - direitos de autor; contabilidade; seguros; pecuária-serviços; têxteis-serviços; arte e cultura; limpeza industrial; agricultura e silvicultura-serviços e equipamentos; confeções; restauração e hotelaria, ensino; informática; designer e publicidade; telecomunicações; investigação; repovoamento cinegético; ambiente; escola de condução; educação especial; construção civil; jardinagem; transportes aéreos; engenharia; maquinas e equipamentos; rádio-estações; medicina dentária; artesanato regional; consultoria; cultura e recreio; táxis-serviço; manuseamento de carga; formação profissional; transportes de passageiros e de mercadorias; arquitetura; ação social; turismo; editorial; campismo e caravanismo; medicina geral e especializada; saúde e assistência; combustíveis e lubrificantes e administração de imóveis.
 
Independentemente do persistente desinteresse que os Estados e os Governos mantêm pelas cooperativas de trabalho, o seu crescimento nos últimos oito anos na Europa foi de cerca de 35%.
 
É sabido que tanto na Europa como em todo o mundo, o desemprego é um problema deveras preocupante e que, por via disso, os empregadores adotam novas formas de emprego que fragiliza profundamente a condição de trabalhador por conta de outrem.
 
Não diria que os Estados e os Governos sejam cúmplices no que se está a passar mas, pelo menos, estarão “muito distraídos”.
 
Ao contrário do que, infelizmente, acontece noutros continentes, temos de reconhecer uma coisa que os Estados e os Governos da Europa não fazem e que é hostilizar e ostracizar as cooperativas de trabalho.
 
Entretanto, os empregadores aproveitaram bem as fragilidades e a liberalização do sistema empregatício para darem origem às chamadas “novas formas de emprego atípicas” ou à grande precariedade no emprego.
 
Na Alemanha, a parcela de empregos “atípicos” no emprego assalariado passou de 18 para 33% entre 1991 e 2007, com crescimento muito constante.
 
Na França, a parcela de empregos assalariados que não contam com tempo integral ao longo do ano (tempo parcial, intermitente e interino) passou de 17 para 31% entre 1978 e 2005.
 
Ainda no caso francês, os empregos “atípicos” atingem mais de 6 milhões de pessoas, correspondendo a 25% do emprego total.
 
A OCDE criou recentemente a designação de “trabalhadores desencorajados” que, em Portugal, rondam os 9,6% do total dos desempregados e, deste numero, 80% são mulheres.
 
Ainda em Portugal, 82% dos empregos “atípicos” são ocupados por mulheres e, neste numero, 36% têm menos de 25 anos.
 
Como se não fosse suficiente a elevadíssima taxa de desemprego nos jovens europeus, ainda têm de se debater com o trabalho temporário que afeta principalmente os que têm entre 15 e 24 anos.
 
Na Alemanha e na Espanha são cerca de 60%; na França ultrapassa os 52%; na Suécia 54% e em Portugal 55%.
 
Os empregos “atípicos” e a precariedade do emprego, sempre justificados pelos empregadores e pelos poderes públicos “como necessidades emergentes da conjuntura económica” já pressionava os jovens e os trabalhadores em geral muito antes de qualquer crise.
 
Na análise que Jean-Bernard Célestin faz das formas atípicas de emprego no seu trabalho “As novas formas de emprego atípicas, conclui que “Os trabalhadores com empregos atípicos sofrem de uma falta de protecção social a muitos níveis, como por exemplo a nível da remuneração, da formação ou das condições gerais de trabalho.
 
Estas desvantagens levam algumas pessoas a procurar encontrar empregos mais estáveis. Na categoria de trabalhadores a tempo parcial encontramos muitas pessoas que desejam trabalhar a tempo inteiro. Há mais homens do que mulheres que conseguem alcançar esse objectivo.”.
 
E mais uma vez a OIT e a Comissão Europeia vão a reboque do poder económico quando (continuado a citar Célestin) “... pretendem desempenhar um papel importante, contribuindo, através do estudo e da discussão, para definir os meios de promover as novas formas de emprego com vantagens mutuas para as partes envolvidas.
 
Foram elaborados e adoptados documentos internacionais para criar as condições necessárias quer aos empregadores quer aos trabalhadores por conta de outrem.
Esses documentos poderiam servir de referencia e campanhas de informação e de sensibilização (sob a forma de seminários e de estudos) que permitiriam aprofundar os debates sobre as melhores formas de tirar todo o partido das possibilidades que as novas formas de emprego oferecem para a redução do desemprego e para a melhoria das condições de vida dos trabalhadores.”.
 
Como se pode verificar, nada mais vago e impreciso.
 
Pelas palavras acima, facilmente se entenderá que nem na próxima geração se chegará a qualquer conclusão satisfatória para os trabalhadores porque, para os empregadores, obviamente, está muito bem assim!
 
Antes como agora, a atenção dos poderes públicos continua naturalmente voltada para a empresa e não para o trabalhador.
 
Contudo, embora se tratem de conclusões provisórias, a DG V (Direcção-Geral do Emprego, Assuntos Sociais e Inclusão) da União Europeia, tomou uma posição que reconhece, naturalmente, a importância das cooperativas de trabalho.
 
No relatório começa por referir que “Os objectivos das organizações do terceiro sistema consistem em instilar no desenvolvimento ideias de solidariedade e de durabilidade.”.
 
No capitulo “Melhoria da qualidade de vida”, considera que “O terceiro sistema contribui para uma melhoria do ambiente e da qualidade de vida, na medida em que desenvolve os serviços sociais e económicos correspondentes. Contribui nomeadamente:
 
- para a identificação, a profissionalização e a colocação em rede de serviços de ambiente, médicos e de transportes;
- para a identificação e a implementação de serviços no domínio do ambiente;
- para a identificação e a implementação de serviços no domínio da cultura;
- para a identificação e a implementação de serviços no domínio da renovação de habitações.
 
No capitulo “A organização e a valorização do trabalho”, a parte que nos importa realçar, refere que o “Mais original talvez é a função que visa estabelecer novas formas de organização do trabalho: não há duvida de que as cooperativas são, por definição, uma inovação importante em termos de organização de novas formas e de novas condições de trabalho.” (sublinhado nosso).
 
Perguntar-se-á então porque são as cooperativas de trabalho tão incompreendidas e discriminadas, quer pelos poderes públicos, quer pelo setor privado, quer ainda pelas restantes organizações cooperativas dos outros ramos.
 
Será  que se torna incomodativo o facto das cooperativas de trabalho, por assentarem na capacidade e no empenhamento pessoal dos seus membros, serem as organizações que mais rapidamente geram postos de trabalho com equivalência a tempo inteiro?
 
Na sua génese, conforme vimos ter sido relatado por Georges Fauquet,  “As cooperativas de trabalho são estruturas muito simples. Em muitos casos, não chegam mesmo a ter necessidade de obter uma forma jurídica precisa. É suficiente que nasçam e funcionem por acordo entre os seus membros.”.
 
E é assim mesmo que, ainda hoje, elas nascem -  “por acordo entre os seus membros”.
 
Senão vejamos:
 
- as sociedades de capitais são constituídas tendo o centro das decisões no capital disponibilizado por cada sócio, sendo certo que, quem detiver dois terços desse capital assume o controle total da empresa;
 
- as cooperativas de trabalho são constituídas tendo o centro das decisões em cada um dos seus membros e sempre se torna necessário contar com os votos da maioria para o controle da cooperativa;
 
- nas sociedades de capitais a capacidade financeira marca a dimensão da empresa logo a partir do seu inicio de atividade;
 
- nas cooperativas de trabalho é a capacidade pessoal de cada um dos seus membros e a forma como está disponível para partilhar a disponibilidade que definem o seu inicio de atividade;
 
- tendo como exceção as pequenas e as micro empresas, nas sociedades de capitais, na maioria dos casos, o objetivo dos seus sócios é rentabilizar o investimento e, quando assumem atividades profissionais fazem-no ao nível da administração;
 
- nas cooperativas de trabalho os membros atuam nas respetivas áreas profissionais e, antes de tudo, para garantirem o seu posto de trabalho libertando-se da dependência face aos empregadores ou, o que é bem mais preocupante nos dias de hoje, do flagelo do desemprego.
 
- quando uma sociedade de capitais admite como sócia outra pessoa coletiva, a relação que se estabelece entre as duas é controlar ou ser controlada pelo capital.
 
- quando uma sociedade de capitais ou outra pessoa coletiva é admitida como membro de uma cooperativa de trabalho ela tem apenas um voto, ou seja, exatamente o mesmo que qualquer outro membro individual.
 
Não é nova a questão referente ao facto das cooperativas de trabalho se assumirem como entidades empregadoras.
 
Doutrinadores como Georges Lasserre, António Sérgio, entre outros, consideravam que essa pratica desvirtuava o ideário do cooperativismo.
 
Quem ainda hoje defende que as cooperativas de trabalho devem ter nos seus quadros única e exclusivamente trabalhadores membros, ignora não apenas a própria legislação como flutua nos domínios da utopia.
 
A realidade comprova que está totalmente fora de questão constituir cooperativas de trabalho e aumentar os seus quadros apenas com a admissão de novos membros.
 
A sustentabilidade das cooperativas de trabalho depende efetivamente dos seus membros associados mas também dos trabalhadores por conta de outrem que forem necessários para a prossecução dos seus objetivos.
 
Será naturalmente desejável que os novos membros da cooperativa surjam do quadro de trabalhadores.
 
A legislação cooperativa de alguns países prevê essa possibilidade.
 
Como acontece com qualquer outra organização económica, as cooperativas de trabalho estão sujeitas a uma crescente pressão para a redução de custos, aumento da produtividade e otimização de recursos.
 
Contudo, a grande maioria das cooperativas de trabalho mantém uma relação laboral com os seus trabalhadores que respeita a responsabilidade social, designadamente nas áreas da participação, da formação, das políticas inclusivas de emprego, dos serviços sociais, das atividades culturais, recreativas e desportivas, da higiene e segurança, da defesa do consumidor e da preservação de uma boa qualidade de vida.
 
Não obstante toda a sua história, claramente documentada principalmente desde o inicio da segunda metade do século XIX, de que fizemos brevíssimas referências, até às tímidas mas não menos importantes “conclusões provisórias” da DG V, as cooperativas de trabalho continuam a resistir à imperiosa  necessidade de se relacionarem com o meio onde se encontram instaladas.
 
As cooperativas de trabalho reúnem todas as características necessárias para se apresentarem como uma importante resposta social na comunidade onde estão inseridas.
 
Poderão fazer isso muito facilmente e sem alterarem a sua operacionalidade, a sua estrutura orgânica e o seu centro de decisão.
 
Apenas será necessário decidirem fazê-lo.
 
Uma cooperativa é uma árvore.
Tal como ela, quanto mais ligada ao solo e
mais integrada estiver no eco-sistema que a rodeia,
mais frondosa fica e melhores serão os seus frutos.

Arnaldo Leite

Arnaldo Leite
Dados bibliográficos:
- Professor de Cooperativismo
- Economista e Investigador em Cooperativismo e Economia Social
- Perito em Estratégia das Organizações do Terceiro Sector
- Consultor Sénior Internacional em Economia Social
- Consultor na concessão e montagem de Plataformas e-Learning e Modulares, para a capacitação profissional e técnica e geração de emprego e de Unidades de Incubação de Cooperativas (UNIC).

 

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