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Autonomia Cooperativa Versus Ambiente Sistêmico: Antagonismo? - Parte 2

“O todo é maior que a simples soma das suas partes”. (Aristóteles – princípio geral do holismo).

Embora, aparentemente, a integração horizontal e vertical com outras cooperativas ainda sugira redução de autonomia, na essência isso não ocorre. Provavelmente, o equívoco esteja em considerar como parâmetro o grau de liberdade supostamente atribuído às cooperativas não filiadas. Todavia, como já ressalvado, a independência (de cooperativas não filiadas) muitas vezes é bastante relativizada pela presença das entidades a que econômica ou politicamente são submetidas.

Em verdade, a autonomia e a independência, na perspectiva mais ampla de competitividade, ganham reforço qualitativo e quantitativo com a integração, notadamente quando as práticas sistêmicas respeitam o ativismo de suas partes na construção das soluções de interesse do conjunto.

Da mesma forma, o apoio corporativo não prejudica, mas, ao desincumbir as cooperativas de tarefas do balcão para dentro, impulsiona o relacionamento de cada entidade singular com os seus associados e comunidade, âmbito no qual reside a essência da cooperação e a efetiva independência.

Quando a cooperativa, livremente, escolhe o caminho da intercooperação, dando vida ao 6º princípio universal do movimento associativista, é como se adicionasse à sua própria estrutura áreas de atividades comuns a todas as entidades que fazem parte do combinado societário-sistêmico, e que devem estar voltadas para melhorar a sua atuação perante seus associados.

Em outras palavras, as centrais, as confederações, os bancos e as demais empresas/entidades especializadas devem ser reputados como extensão das unidades (de origem) que lhes dão vida, formando uma espécie de “departamento” ou “setor intercooperativo”.

Assim, é fundamental, de um lado, a percepção dos administradores das entidades corporativas (centrais, confederações, bancos e empresas/organizações vinculadas) sobre o papel que têm de exercer no interesse das entidades de base e de seus cooperados, e também sobre a importância de envolver, tempestiva e qualificadamente, os representantes dos destinatários finais das soluções no debate e na construção dos projetos. De outro lado, a cooperativa não pode considerar as estruturas comuns como iniciativas dela desconectadas, vendo-as como terceiras ou estranhas de seus domínios, mas tê-las como componentes de seu próprio ambiente organizacional e sobre elas exercer comando.

Nessa perspectiva, sob pena de (aí sim) aumentar os seus custos – fonte usual das discórdias intrassistêmicas –, as cooperativas singulares e, no caso de haver confederações, se isso implicar ganhos ao respectivo sistema regional, também as centrais devem desfazer-se na mesma dimensão dos respectivos componentes organizacionais locais/paralelos, exigindo em contrapartida eficiência e eficácia das soluções compartilhadas.

Com efeito, das cooperativas (singulares e, conforme o caso, centrais), autocombatendo eventual excesso de individualismo, e sempre que a medida trouxer benefícios aos cooperados, espera que prefiram os correspondentes serviços das entidades de grau superior, de quem precisam reivindicar qualidade e tempestividade.

Ainda a proposito da máxima verticalização sistêmica de serviços comuns, vale lembrar que o verdadeiro poder não está em fazer, mas em mandar fazer!

Nesse contexto, em que a confiança é valor-chave, vale aduzir que as bases formais devem guiar-se muito mais pelos vínculos estatutários, baseados na autorregulação e no resultado negociado, do que pelos imperativos mercantis, normalmente arbitrados no formato de decisões top down.

Assimilado esse conceito, e colocado em execução, tanto do lado da noção de pertencimento (cooperativa em relação às demais entidades) quanto da sensibilidade para servir (estruturas corporativas diante de cada uma das partes), esvaziam-se os pontos de real ou potencial conflito e descontentamento.

Ao final da equação, olhando-se sempre o todo e não, isoladamente, esta ou aquela iniciativa, é certo que cada uma das partes terá um resultado melhor por participar do arranjo intercooperativo (só assim, aliás, a verticalização tem sentido!).

Da mesma forma como os associados elegem regras de convivência no âmbito da cooperativa singular, às quais se subordinam no momento seguinte (exemplo: os dispositivos estatutários e as deliberações assembleares vinculam a todos, mesmo os discordantes), também as cooperativas singulares (e centrais, conforme o caso), nas instâncias correspondentes, tomam decisões de abrangência coletiva cujo cumprimento pelas partes é imprescindível para a harmonia do grupo e a própria sustentabilidade do sistema associado.

Por vezes, sempre respeitada a transparência na condução dos debates e permitido o amplo direito de argumentação a todos os interessados, a deliberação não é unânime, situações nas quais há que se aceitar a preferência da maioria, exatamente como acontece na cooperativa singular, em conformidade com o princípio universal da “Gestão Democrática”.

Dito mais explicitamente, a matéria decidida nas instâncias sistêmicas, tal e qual, tem de ser cumprida. E não tem nada de antidemocrático nisso, como equivocadamente ainda se difunde. Bem pelo contrário: a rebeldia é que representa um gesto contrário ao valor da democracia, além de pôr em risco a unidade do conjunto.

Não é demasia acentuar que o conforto sistêmico pressupõe certas concessões ou renúncias particulares ou individuais, quando esses interesses colidirem com os das convenções coletivas. É como em um matrimônio, cujo pacto, para ser próspero e duradouro, não tolera que os cônjuges, individualmente, continuem desfrutando de determinadas prerrogativas próprias de solteiros.

Obviamente que a zona de não-convergência será tanto menor quanto mais fiéis aos interesses dos sócios forem as iniciativas propostas nos fóruns sistêmicos. Impõe-se, por conseguinte, especial atenção às particularidades regionais e às características dos diferentes grupos associativos envolvidos. Ou seja, a singularidade cooperativa, que nada tem a ver com individualismo (postura anticooperativa), há de ser respeitada em sua máxima dimensão. Aqui, por sinal, reside a causa de muitos dos inconformismos e conflitos instrassistêmicos.

Exige-se, portanto, que os administradores corporativos e suas equipes estejam familiarizados com a realidade e as necessidades da base. Para tanto, o diálogo constante com os representantes das cooperativas é uma forma de encurtar o percurso e minimizar desgastes.

Escutar, permanentemente, o que os diversos atores têm a dizer ou propor é da essência do convívio sistêmico. Não se pode, jamais, subjugar a capacidade de inovação ou tolher o entusiasmo criativo dos dirigentes e executivos das partes. Isso seria letal!

É claro que nem todas as ideias são exequíveis ou viáveis, casos para os quais os responsáveis pela pauta corporativa têm de externar evidências inequívocas a desaconselharem o seu prosseguimento, mesmo que momentâneo, inclusive apontando eventuais razões de ordem legal ou regulamentar quando for a hipótese.

Não basta, por conseguinte, a simples alegação de que “tecnicamente não dá”; que “o mercado anda no sentido contrário”; que “a demanda é operacionalmente muito complexa” ou que “é inviável do ponto de vista econômico-financeiro”, e assim por diante. Para cada objeção levantada há que aduzir a devida fundamentação.

Entretanto, se os argumentos técnicos, contrários à proposta, forem comprovadamente plausíveis, é de se esperar que o proponente ou demandante se sensibilizem ou se conformem. De igual forma, é nocivo ao convívio sistêmico deduzir divergências em fóruns não institucionais, sobretudo as já apreciadas internamente, ou submetê-las a julgamento de terceiros. Como se diz no jargão informal, “roupa suja se lava em casa”!

Adicionalmente, os requerimentos levados a debate por qualquer dos membros devem visar ao bem, sob pena de a invocada autonomia ou a pretensa singularidade servirem como pretexto para lograr resultados incompatíveis com os objetivos societários ou antagônicos ao espírito cooperativo. Por sinal, a desobstrução de caminho, para facilitar práticas incorretas sido algo tentador para o abandono sistêmico.

Ainda, há que blindar o processo de deliberação contra a soberba e a imodéstia de determinados dirigentes, que, invocando usualmente a maior envergadura das entidades que representam, se julgam o “centro do universo” e frequentemente querem impor seus pontos de vista. “Levar no grito” ou ganhar pela ameaça são condutas absolutamente nefastas para a integridade sistêmica.

Outro aspecto relevante na seara sistêmica é a velocidade no tratamento das demandas. A demora na resposta pelas entidades corporativas muitas vezes acaba sendo a desculpa necessária para as cooperativas singulares e centrais desenvolverem as suas próprias soluções – não raro, custosas e pouco qualificadas. Em razão da dinâmica que se impõe no mercado financeiro, torna-se fundamental a alocação de componentes organizacionais capazes de dar respostas ágeis e precisas.

Igualmente indispensáveis, por fim, são a ascendência técnica e a liderança dos profissionais das empresas centralizadoras em relação às equipes das entidades filiadas. Na ausência desses atributos, as respostas, invariavelmente julgadas insuficientes ou postas sob suspeição, não terão ressonância na base.

Ênio Meinen

Ênio Meinen é advogado, pós-graduado em direito e em gestão estratégica de pessoas e autor de vários livros sobre cooperativismo de crédito – área na qual atua há 29 anos -, entre eles “Cooperativas de crédito: Gestão Eficaz – conceitos e práticas para uma administração de sucesso” (2010) e “O cooperativismo de crédito ontem, hoje e amanhã” (2012), ambos editados pela Confebras.

 

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