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O Cooperativismo financeiro brasileiro sob nova regulamentação

Globo afora, como pudemos constatar no recente congresso do Conselho Mundial de Cooperativas de Crédito (Woccu), realizado em Denver, no estado do Colorado (EUA), em meados de julho, a busca por leis e regulamentos mais flexíveis e que levem a um maior poder de competição das instituições financeiras cooperativas é uma das principais aspirações do setor, cuja resposta passa por uma interlocução fecunda e sadia entre o movimento, reguladores e respectivos órgãos de supervisão.
 
No Brasil, este é um aspecto muito bem equacionado, dado que o diálogo entre o movimento cooperativo e as autoridades governamentais é o melhor possível, e o marco regulatório, a começar pela Constituição Federal, substancialmente generoso.
 
Contudo, em razão especialmente da dinâmica do mercado financeiro, que requer constante aprimoramento dos mecanismos operacionais e padrões de governança, em combinação com um processo de supervisão que se pretende cada vez mais racional e efetivo, ajustado ao grau de risco das entidades, sempre há espaço para avanços.
 
Nesse sentido, a Resolução CMN nº 4.434, de 05 de agosto corrente, que, a partir da abrangência operacional ou perfil de risco, propõe uma nova categorização para as cooperativas; ajusta os níveis de capital e patrimônio líquido a essa nomenclatura e revê o modelo de governança.
 
A contar da vigência da nova segmentação (em até 180 dias), teremos três tipos de cooperativas, a saber (arts. 15, 17 e 18 da resolução):
 
plenas, em cujo grupo estarão classificadas as entidades dispostas a realizar todas as operações permitidas ao segmento, inclusive a assunção de exposições em instrumentos derivativos;
 
clássicas, que, além de outras transações de maior risco, não poderão realizar operações nas quais assumam exposição em ouro e em moeda estrangeira; sujeitas à variação cambial e no preço de mercadorias (commodities) e ações, ou, ainda, em derivativos;
 
de capital e empréstimo, que terão as mesmas restrições das clássicas, além de não poderem captar depósitos e outros recursos junto aos seus associados, embora possam captar recursos de instituições financeiras para repasse aos cooperados, por exemplo.
 
Doravante, as cooperativas, por sua assembleia geral, poderão soberanamente deliberar sobre a amplitude associativa, em total sintonia com o art. 5º, XVII, da Constituição Federal e o art. 4º da Lei Complementar 130, de 2009 (respeitadas as vedações do parágrafo único deste dispositivo), devendo a abrangência do quadro social constar do estatuto (art. 16).
 
Quanto aos limites mínimos de capital e patrimônio líquido, passam a variar conforme a categoria da cooperativa e em razão do vínculo (facultativo nos três casos) ou não com uma central (art. 19), sendo maiores no segundo caso. A exigência de valores menores para cooperativas filiadas, uma entre outras tantas distinções pela mesma motivação previstas no novo estatuto normativo, é uma clara indução à verticalização sistêmica, medida salutar para o fortalecimento do setor.
 
No que se refere à governança, as cooperativas plenas (todas) e as clássicas cujos ativos médios nos últimos três anos tenham alcançado R$ 50 milhões estarão sujeitas à adoção do regime dual (conselho mais diretoria) a partir das eleições de 2017, anotado que, doravante, nenhum conselheiro poderá atuar simultaneamente como diretor (art. 27 e §1º). Pela primeira vez, a norma também define um conjunto mínimo de atividades para os conselhos de administração e fiscal (arts. 28 e 31).
 
Afora essas modificações, vale uma alusão às regras que darão maior transparência e permitirão um maior controle do Banco Central sobre as admissões de cooperativas singulares por centrais e, em especial, as desfiliações, seja por inciativa das singulares, seja das centrais (arts. 40 a 42).
 
Da mesma forma, há que se saudar o ajuste que permitirá a entidade de auditoria cooperativa auditar as demonstrações contábeis das centrais e confederações de crédito a ela associadas, além do balanço consolidado dos arranjos sistêmicos. Adicionalmente, deve-se salientar o fato de as demonstrações contábeis das cooperativas singulares passarem a sujeitar-se a apenas uma verificação anual pela auditoria externa (art. 45).
 
Dentre as próximas medidas normativas, o setor cooperativo, em uníssono, aguarda a regulamentação específica sobre as entidades especializadas em auditoria cooperativa (EAC). O propósito nuclear é deslocar para tais empresas (caso da atual CNAC, por exemplo) parte substancial da supervisão auxiliar, representada pelas atividades de inspeção direta – que envolvem a avaliação do sistema de controles internos, da governança, da gestão de riscos etc -, hoje atendidas por cooperativas centrais, de modo a ampliar a qualidade de tal serviço e,  por se tratar de cooperativas de 3º grau, assegurar maior independência na sua execução.
 
Tal providência é ainda justificada pelo fato de todas as cooperativas estarem atualmente vinculadas ao FCGoop – Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito, o que reivindica uma maior uniformidade no serviço de supervisão auxiliar através da aplicação de um padrão mínimo que dê mais segurança e diminua o risco de cobertura de depósitos ao conjunto das entidades contribuintes, e também respalde a tomada de decisão sobre futuras (eventuais) operações de assistência financeira.
 
Estão também em aberto os debates sobre a criação de sociedades cooperativas que, em substituição às atuais OSCIPs com semelhante propósito, tenham por objeto principal a prestação de garantias em operações de crédito para o pequeno negócio. A iniciativa visa a incrementar o funding para essa finalidade, além de ampliar a credibilidade da solução perante os agentes financeiros, uma vez que o novo tipo societário (cooperativa “de crédito”) estará submetido à supervisão do Banco.
 
Por fim, há que se trabalhar no aperfeiçoamento do instituto da solidariedade entre as cooperativas, pré-requisito para a futura consolidação patrimonial dos sistemas associados, e num melhor detalhamento do – até aqui pouco efetivo – regime de cogestão previsto na Lei Complementar 130, de 2009 (art. 16).
 
No seu conjunto, esses movimentos regulamentares tornarão o sistema financeiro cooperativo ainda mais sólido e competitivo, apto a inaugurar um novo ciclo de crescimento.

Ênio Meinen

autor de Cooperativismo financeiro na década de 2020: sem filtros! (ed. Confebras, 2020 – na 2ª ed./2023) e diretor de coordenação sistêmica, sustentabilidade e relações institucionais do Sicoob.

 

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