Umbuzeiro, árvore sagrada do sertão, dá vida a cooperativas
22/06/2017
Há frutas que se descascam para comer. Outras se comem com a casca. Umas se cortam ao meio. Algumas se chupam, outras se mastigam. Mas existe uma fruta brasileira que é diferente de todas, que se suga sem precisar descascar, que se come a polpa, mas sem ter que tirar sua pele. Na caatinga, uma árvore grande, mais larga do que alta, dá muita sombra e um fruto abundante e delicioso quando maduro. Basta fazer um pequeno corte, um buraquinho na sua casca – pode ser com uma faca, um garfo ou mesmo o dente – para sorver um delicioso suco com sabor sem similar, até que sobre apenas o caroço dentro de uma casca vazia.
Esse é o umbu – uma fruta não só saborosa, mas essencial na vida seca do sertão nordestino. Para quem não conhece, é fácil confundi-la com um limão. Verde por fora, é igualmente ácida, a ponto de deixar a língua dormente. Maduro, é doce como mel. Mas essa é só a pontinha do iceberg. O umbuzeiro é uma árvore que sempre fez diferença na vida sofrida do Nordeste e não é à toa que é chamado a “árvore sagrada do sertão” (veja quadro) e está fazendo diferença também no cooperativismo. Duas cooperativas na Bahia, a Coopercuc, de Uauá, na região de Canudos, no nordeste do estado, e a Cooproaf, de Manoel Vitorino, no sudoeste baiano, produzem e comercializam produtos derivados dessa fruta que cresce naturalmente no sertão e agora dá força à agricultura familiar de regiões tão pobres.
A Cooproaf (Cooperativa de Produção e Comercialização dos Produtos da Agricultura Familiar do Sudoeste da Bahia) oferece vários produtos à base de umbu – ou imbu, como também é frequentemente chamado – com a marca Imbuíra. Oficialmente fundada em 2010, mas com atuação vários anos antes, ela tem 63 cooperados e desenvolve várias atividades, entre elas eventos para a divulgação de delícias como a umbuzada (um suco feito com a fruta e leite). Por meio de parcerias, tem cursos e palestras para manter o umbu sustentável, com a colheita e manejo corretos e incentivo a novos plantios, assegurando assim a preservação do umbuzeiro e profissionalizando as pessoas envolvidas no processo.
O umbu também tem ganhado projeção graças ao trabalho de outra cooperativa, a Coopercuc (Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos), fundada em 2004 e que detém a marca Gravetero. Com 204 cooperados, ela exporta seus produtos – geleias, compotas, doces e sucos de frutas do sertão – para Itália, França e Áustria. Em alto estilo, ao fornecer para mercados exigentes, a cooperativa gera renda, resgata a cidadania de seus membros e dá ao umbu um lugar de honra na economia. A Coopersuc também realiza eventos, como o Festival do Umbu, que não só divulga a fruta, mas promove palestras sobre temas relevantes, como sustentabilidade alimentar e agricultura no semiárido.
Deu vontade de experimentar, não deu?
Alimento e fonte de água
O umbuzeiro, desconhecido da maioria dos brasileiros, não dá apenas uma fruta deliciosa. A árvores é o símbolo da resistência. Mesmo nas piores secas, não morre nem deixa de dar frutos. Em suas raízes se esconde uma espécie de coco, mas cientificamente chamado de batata, que acumula uma grande quantidade de água tanto para a árvore quanto para o ser humano com sede. Não por acaso, Euclydes da Cunha, numa das maiores obras da literatura brasileira, Os Sertões (1905), a batizou de “árvore sagrada do sertão”. Conheça o trecho da obra:
É a arvore sagrada do sertão. Sócia fiel das rápidas horas felizes e longos dias amargos dos vaqueiros. Representa o mais frizante exemplo de adaptação da flora sertaneja. Foi, talvez, de talhe mais alentado e alto — e veiu descahindo, pouco a pouco, numa intercadencia de estios flammivomos e invernos torrenciaes, modificando-se á feição do meio, desinvoluindo, até se preparar para a resistência e reagindo, por fim, desafiando as seccas duradouras, sustentando-se nas quadras miseráveis mercê da energia vital que economisa nas estações benéficas, das reservas guardadas em grande copia nas raizes.
E reparte-as com o homem. Se não existisse o umbuseiro aquelle tracto de sertão, tão estéril que nelle escasseiam os carnahubaes tão providencialmente espalhados nos que o convizinham até ao Ceará, estaria despovoado. O umbu é para o desventurado matuto que alli vive o mesmo que a mauritia, para os garaunos dos llanos.
Alimenta-o e mitiga-lhe a sede. Abre-lhe o seio acariciador e amigo, onde os ramos recurvos e entrelaçados parecem de propósito feitos para a armação das redes bamboantes.
Revista EasyCOOP