Mineira enfrenta preconceitos e lidera cooperativa de produtores de café em MG
09/10/2019
Aos 47 anos, a mineira Vânia Lúcia Pereira da Silva resume em uma palavra o sentimento que tem ao olhar para sua trajetória como agricultora orgânica: gratidão. Produtora de café orgânico, ela faz parte da Cooperativa dos Agricultores Familiares de Poço Fundo e Região (COOPFAM).
Inicialmente, seu envolvimento se deu por ser esposa de cooperado. Mas, posteriormente, Vânia acabou se tornando uma das líderes da organização, por meio de um grupo de mulheres que atuam na cooperativa.
Logo que começou a participar das assembleias, Vânia conheceu várias mulheres que iniciaram um processo de articulação e união. Nessa aproximação, elas elas ficaram sabendo que havia uma oportunidade de mercado para o café que produziam.
As produtoras passaram, então, a se articular e promover espaços de conversas e trocas de experiências da cultura cafeeira. Até o nome do grupo foi decidido coletivamente — Mulheres Organizadas Buscando Independência (MOBI).
Realizaram uma série de cursos, de produção de doces à gestão. Reuniram-se frequentemente para buscar mais espaços de participação na cooperativa, com a percepção de que o grupo faria diferença na organização.
Após uma ação coletiva, as mulheres passaram a ter direito a voto nas decisões da cooperativa. A conquista ocorreu após uma delas ter perdido o marido e assumido a propriedade sozinha.
A partir da compra de cotas pelas mulheres, o Grupo MOBI se desenvolveu. Vânia fez parte deste processo de construção coletiva.
Primeiro, ocupou um dos espaços de coordenação da Rede Orgânicos Sul de Minas com o projeto das rosas orgânicas. Dentro da COOPFAM, foi indicada em 2016 pelo grupo MOBI para compor a diretoria. Foi uma surpresa ter vencido a indicação.
Logo que foi indicada, as mulheres passaram a estar mais presentes nos espaços de decisão. Após pensar e conversar com a família, Vânia ganhou força para liderar a chapa. Desde então, passou a atuar na gestão participativa da COOPFAM.
Como reconhecimento por seu trabalho, Vânia foi indicada para ser candidata à presidência para a nova chapa da diretoria nas eleições de 2019.
Foi eleita junto aos demais membros para o conselho administrativo. Composta por sete conselheiros, ela e outra cafeicultura são as únicas mulheres do grupo.
Quando questionada sobre de onde tirou forças para a luta, ela responde: “da família, da confiança dos diretores com quem conviveu, e do Grupo MOBI”. Ainda assim, Vânia sofreu resistência por ser mulher e teve sua capacidade de autonomia questionada.
“Uma mulher assumir a presidência de uma cooperativa de café realmente é histórico. Eu participo de varias reuniões e busco saber se há mulheres presidentes de cooperativas de café e a resposta é que não existe. Eu acho que sou pioneira nessa questão aqui em Minas Gerais.”
Vânia afirma que se sente grata pela confiança, mas destaca que a missão não é fácil, devido à carga de preconceitos que as mulheres enfrentam.
“Em pleno século 21, ainda existe muito preconceito em relação à mulher. Na verdade, falta mesmo confiança das pessoas com relação ao trabalho da mulher, ainda mais em um reduto bem masculino que é o de cooperativas de café. Eu confesso que para mim foi um desafio grande”, comenta.
Vânia é reconhecida por impulsionar o diálogo dentro da cooperativa e por ter empatia, em especial, em relação à situação das mulheres produtoras.
“Eu avaliei muito, pensei muito e uma das coisas que me deu forças para aceitar, foi isso: nós mulheres temos que acreditar em nós mesmas, que somos capazes tanto quanto os homens.”
“Não é querer ser mais, estar à frente, mas podemos estar lado a lado deles, buscando sempre fazer o melhor pelo bem do coletivo.”
“Enquanto nós ficamos com medo, inseguras, e não arriscar, não ter a coragem, não entraremos nesse círculo onde a maioria são homens. Principalmente falando da questão da agricultura, do cultivo do café, em que existe muito tabu, muito preconceito com a mulher. Nós somos capazes, nós também podemos fazer um bom trabalho”, declara.
Apesar dos desafios que ainda enfrenta, Vânia destaca que qualquer mulher pode assumir um cargo de liderança.
“Eu sei que ainda existem preconceitos. Mas, não me preocupo muito com isso, não. Na verdade, o que me impulsiona é a vontade, a dedicação de estar fazendo um bom trabalho e de ser inspiração para outras mulheres estarem assumindo cargos de liderança em todas as áreas”, diz.
Campanha 2019 #MulheresRurais, Mulheres com Direitos
De 1º a 15 de outubro, a Campanha #Mulheres Rurais, Mulheres com Direitos promove 15 dias de mobilização para valorizar a contribuição das trabalhadoras do campo ao cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável relacionados à igualdade de gênero e ao fim da pobreza rural. O tema norteador da quinzena ativista é “O futuro é junto com as mulheres rurais”, com a hashtag #JuntoComAsMulheresRurais.
O principal objetivo da campanha é destacar o trabalho promovido por pescadoras, agricultoras, extrativistas, indígenas e afrodescendentes.
A campanha no Brasil é coordenada pela Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a ONU Mulheres, a Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar do Mercosul (REAF) e a Direção-Geral do Desenvolvimento Rural do Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca do Uruguai.
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