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Lei de Licitações: Inovações devem facilitar contratação de cooperativas pela administração pública
13/04/2021
Analisamos o texto do Projeto de Lei 4.253/2002 que, aprovado pelo Senado Federal e que foi sancionada pelo presidente.
Naturalmente, a nova lei passará por um processo de discussão e amadurecimento de sua compreensão e interpretação. Contudo, destacamos nossas primeiras impressões no tocante às inovações sobre a contratação de cooperativas pela Administração Pública.
No âmbito da União, os contratos com a Administração Pública chegam a corresponder a 20% do PIB brasileiro. Trata-se obviamente de um mercado de extrema relevância para as cooperativas, mas também para o planejamento estatal, na medida em que essas sociedades estão vocacionadas para a geração de patamares superiores de desenvolvimento.
Além de confirmar a regra expressa já existente de que é proibido ao agente público impedir ou limitar a participação de cooperativas nas licitações, a nova lei inovará nas seguintes regras:
REQUISITOS DE PARTICIPAÇÃO ENVOLVEM A PRÓPRIA SOCIEDADE
a) Embora a nova lei fale em requisitos para a participação dos profissionais organizados sob a forma de cooperativa, a norma diz respeito a requisitos da participação da própria sociedade. Apesar de imprecisa, a redação inicial do artigo de certa maneira reforça que negar o acesso das cooperativas a esses contratos significa negar acesso aos próprios trabalhadores e consumidores membros de cooperativas. A proibição ou a criação de exigências incongruentes significa, a rigor, reservar esse importante mercado às empresas de finalidade lucrativa e negar a importante forma da livre iniciativa exercida pelas cooperativas.
EFEITO PRÁTICO É OBSERVÂNCIA ÀS LEI FEDERAIS COOPERATIVISTAS
b) A lei menciona as principais leis federais cooperativistas como requisito de observância para a participação de cooperativas em licitações. Do ponto de vista prático, o grande acesso dos diferentes atores sociais à nova Lei de Licitações pode produzir o efeito pedagógico de remetê-los a utilizar essas leis especiais e, até mesmo, ter um primeiro contato com elas. Nesse contexto, não é demais ressaltar que os editais de licitações, quando não estabelecem restrições ilegais às cooperativas, ora fazem exigências incompatíveis com o tipo societário, ora deixam de exigir requisitos próprios que poderiam ampliar a segurança das contratações.
EXIGÊNCIA DE MOSTRAR REPARTIÇÃO DE RECEITAS É APROPRIADA
c) Estabelece a exigência de que a cooperativa demonstre a repartição de despesas e receitas entre os cooperados. Embora não estabeleça a forma desse demonstrativo, se trata de uma exigência apropriada à espécie societária. As assessorias deverão orientar a produção segura de instrumento em condiçõesde ser aceito pela entidade ou órgão licitante.
COOPERADOS DE IGUAL QUALIFICAÇÃO PODEM EXECUTAR SERVIÇO
d) Uma previsão interessante é a de que o serviço possa ser realizado por outros cooperados de igual qualificação. Embora devesse ser uma questão natural nas cooperativas, a previsão representa uma importante tentativa de mitigar os riscos de caracterização da pessoalidade – um dos elementos do vínculo de emprego. Embora a pessoalidade possa estar presente em outras relações contratuais, ela tem se mostrado uma das grandes fontes de problema em relação aos contratos com a Administração, não só em relação às cooperativas, mas também em relação a organizações sociais sem fim lucrativo e até empresas capitalistas.
LEGISLAÇÃO REDUZ OS RISCOS DE INDICAÇÃO DAS PESSOAS FÍSICAS
e) Por esse motivo, a nova lei tenta expressamente diminuir os riscos de indicação das pessoas físicas que prestarão os serviços por meio da contratada pela Administração Pública. Essa prática, que tende a interessar aos agentes políticos, contribuiu decisivamente para macular a contratação de cooperativas, para a judicialização trabalhista dessas relações e para que o Ministério Público do Trabalho as reconhecesse como forma de burlar os concursos públicos, mesmo em atividades que o Estado pode terceirizar.
f) Repete-se a norma de compatibilidade entre objeto social da cooperativa e o serviço objeto da licitação. Sobre esse ponto, uma série de considerações pode ser feita em mais detalhe.
COOPERATIVAS DE RECICLAGEM PODEM TER CONTRATAÇÃO DIRETA
g) A lei reforça a possibilidade de contratação direta de cooperativas quando para realização de serviços de coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta seletiva de lixo. Naturalmente, a dispensa de licitação não significa dispensa de cumprimento dos requisitos de habilitação apropriados para cooperativas.
HÁ POSSIBILIDADE DE TRATAMENTO DIFERENCIADO NOS PAGAMENTOS
h) As cooperativas são contempladas com a possibilidade de um tratamento diferenciado em relação à ordem cronológica de pagamentos pela Administração Pública, podendo ser priorizadas quando houver risco de descontinuidade da atividade contratada.
INOVAÇÕES SOMAM-SE AO ESTABELECIDO PELA LEI 12.690/2012
Essas inovações comportam variadas considerações complementares e ponderações, certamente.
Sobretudo quanto às cooperativas de trabalho, cerne dos impasses e das restrições artificiais criadas sob o pretexto de combater contratações fraudulentas, é importante ressaltar que, ao lado dessas inovações, a Lei 12.690/2012 estabelece uma série de elementos que poderiam contribuir muito para a qualidade das contratações pela Administração. Esses elementos, ainda pouco conhecidos pelo setor público, devem ser considerados adequadamente e agregados às normas da nova Lei Geral de Licitações.
Trata-se de elementos que não apenas previnem a responsabilidade do agente público, mas que também o desafiam quando não considerados na confecção de editais que restringem a participação das cooperativa.
Por Ronaldo Gaudio ([email protected]) - Advogado e Diretor da Gaudio Advocacia. Presidente da Comissão Nacional de Cooperativismo da OAB. Mestre em Direito. Coordenador da Pós-graduação em Direito Cooperativo da PUC/MG. Diretor Executivo da AIDCMESS - Asociacion Iberoamericana de Derecho Cooperativo, Mutual y de la Economía Social y Solidaria. Secretário Geral do CIRIEC Brasil – Delegacia Brasileira do Centro de Estudos e Pesquisas em Economia Pública e Social. Presidente do IBECOOP – Instituto Brasileiro de Estudos em Cooperativismo.
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