Cooperativismo na periferia é oportunidade de gerar trabalho e renda
19/10/2021
“O mundo é diferente da ponte pra cá”, este trecho da música do grupo de rap, Racionais MCs, mostra que a periferia é diferente da região central das cidades, seja pela falta de assistência do governo, a precariedade ou a distância até chegar no trabalho, não importa, mas a quebrada é diferente. Apesar de pintarem como um lugar de miséria e criminalidade, estes territórios são ricos em pessoas que estão batalhando por uma vida melhor. São regiões de potência empreendedora, mas que falta um incentivo para que possa ocorrer uma grande transformação para quem vive lá.
Essas regiões são um terreno féritl para desenvolver organizações que geram trabalho e renda e o cooperativismo é a ferramenta que pode ser utilizada nessas regiões.
Segundo dados da OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras), o Brasil tem 4.868 cooperativas com 17.121.076 cooperados, com um ativo total de R$ 655 bilhões. O cooperativismo é uma ferramenta para ser inserida nas quebradas de todo o país. Por isso torna-se importante o incentivo ao cooperativismo, além de gerar trabalho e renda, movimenta a economia do país e, principalmente, na localidade.
“É de suma importância o incentivo de criação de cooperativas nas periferias. O cooperativismo é uma excelente estratégia coletiva que visa a inserção econômica de um grupo”, disse Paulo Vieira, advogado especialista em cooperativismo.
As cooperativas atuam onde grandes empresas privadas não atuam por vários motivos e além disso, as cooperativas contribuirão para o desenvolvimento local.
“Identifica-se esse fenômeno nas cooperativas de eletrificação rural que levou energia para áreas que não eram de interesse das grandes concessionárias, as cooperativas de crédito que surgiram nos locais que não haviam rede bancária, as cooperativas de agricultura familiar nas regiões mais distantes dos centros urbanos, sendo que essa lógica se manifesta em todos os ramos do cooperativismo no Brasil e no mundo”, explicou Paulo Vieira.
A pandemia agravou a situação das populações que moram nas periferias. O aumento do desemprego e o trabalho informal precário, levou a dificuldade na aquisição de alimentos e até de pagar aluguel. O brasileiro em sua parte é solidário e muitos foram ajudados com esses movimentos de solidariedade
“Na periferia os moradores são solidários o tempo todo, quando ocorre uma enchente e se unem para socorrer quem está morando em local de risco, o mesmo acontece quando precisam ir em busca de melhores condições para o lugar onde moram, e mais recentemente com a situação da pandemia observamos as periferias se mobilizar para levar comida a quem precisou deixar de trabalhar e remédio para quem não teve condições de sair de casa, são apenas alguns exemplos de como as pessoas que moram nas periferias são solidárias”, disse a advogada Dra. Juliana de Oliveira, especializada em cooperativismo social.
Segundo Juliana, os moradores da periferia “vivem o cooperativismo muitas vezes sem saber o significado propriamente dito”. Ela finaliza dizendo: “Por este motivo entendo que o incentivo à criação de cooperativas nas periferias é de extrema importância para estruturar tudo que é realizado solidariamente por lá.”
As cooperativas, além de criar a oportunidade de geração de trabalho e renda para as pessoas dos bairros distantes do centro, fazem movimentar a economia local. A riqueza produzida pela cooperativa fica na região, como explica Marcelo Vieira Martins, CEO da Unicred, em recente artigo publicado no site Economia SC:
“A riqueza produzida por uma cooperativa fica no local, pois é ali que vivem os donos, os cooperados. O resultado do trabalho é revertido em poder aquisitivo para os cooperados, que farão o investimento circular naquela localidade. Quando se trata de empresas privadas, como bancos, grandes fábricas e redes e comércio, o benefício à comunidade tem certas limitações: há geração de emprego e recolhimento de impostos, mas muitas vezes o lucro de fato é direcionado geograficamente para bem longe.”
Incentivos
“A saída para o emprego é a criação de cooperativas”, essa fala do Francisco Dal Chiavon, presidente da Unicopas (União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias), mostra que o cooperativismo é o caminho para a solução do desemprego no país, mas para isso é necessário um incentivo de organizações representativas e do Estado.
Na capital paulista existe a Lei 16.836/18, que estabelece diretrizes da Política Municipal de Apoio ao Cooperativismo, e institui o Programa SP COOPERA, e em 2020, o então prefeito Bruno Covas publicou o decreto 59.501/2020, para regulamentar a citada Lei e promover o cooperativismo na cidade.
O covereador Alex Barcellos (PSOL), do mandato coletivo Quilombo Periférico fala sobre o Coopera São Paulo dando a devida importância para a construção e criação de cooperativas por toda a cidade.
“No texto da Lei tem um programa chamado Coopera São Paulo, que terá formação sobre cooperativismo na cidade de São Paulo. Nós queremos acompanhar de perto se isso vai ocorrer ou não. Tem um mundo aí para começarmos a construir algo na cidade de São Paulo. São iniciativas que se consolidam hoje em um cenário complicado, mas que serão importantes a longo prazo. Agora vamos lutar pela regulamentação e depois ter um processo organizativo da sociedade que já acontece”, disse.
Leis como essa citada e a recente sancionada pela administração paulistana, a Lei Paul Singer, são importantes para o incentivo ao cooperativismo e economia solidária e além disso, fortalece toda uma população marginalizada que torna pessoas empoderadas politicamente.
“Quando você tem cooperativas locais que conseguem se fortalecer, através de um processo organizativo de base, da classe trabalhadora e ainda consegue ter renda. Você faz com que as pessoas não saiam da sua quebrada para os grandes centros e ao invés de levar a riqueza para os grandes centros e fortalecendo seus territórios, essa economia gira localmente. O cara vai comprar no mercadinho, no posto de gasolina, vai comprar da pequena empreendedora local, assim você começa a desenvolver as margens. Isso é uma ferramenta de transformação da política pública e a descentralização de riquezas”, falou Alex.
Além da ajuda por meio de cursos para formação, o Estado pode contribuir de outras formas para viabilizar a criação de cooperativas nos bairros periféricos. Usar empréstimos de bancos públicos com juros mais baixos do que o praticado pela iniciativa privada é um caminho.
A deputada estadual de São Paulo, Márcia Lia (PT) explica como deve ser feito para que o Estado apoie a criação de cooperativas: “O Estado tem condições de criar programas e estruturas que apoiem a organização dos trabalhadores no campo e na cidade; tem condições de, por meio de bancos públicos, oferecer recursos a custos menores que os do mercado; tem condições de apoiar as cooperativas com pesquisas de potencial público consumidor, que permitam planejar a produção. Portanto, o gestor público que governa olhando para as necessidades dos trabalhadores tem instrumentos para enfrentar crises econômicas e sociais, gerando instrumentos que podem transformar o futuro das pessoas, no campo e na cidade. Vale lembrar de exemplos como o PAA e o Pnae, que criaram possibilidade de venda da produção agrícola a assentados e pequenos produtores.”
Inclusão
O cooperativismo por ser um modelo econômico que permite a união de pessoas diferentes, se torna um sistema inclusivo não excludente, permitindo abraçar a todos.
“O cooperativismo é um modelo econômico inclusivo, que não faz distinção de raça, gênero ou religião. Além disso, traz na essência a união de conceitos que para muitos parecem opostos: o econômico e o social; produtividade e sustentabilidade”, falou o presidente da OCB/RJ, Vinícius de Oliveira Mesquita.
Vinicius ainda comenta sobre o cooperativismo ser um modelo econômico que não concentra renda nas mãos de poucos. “O modelo cooperativista faz a divisão justa: a pessoa ganha na proporção em que produz. Somado a isso, a concentração de renda faz girar a economia local”, disse Vinicius.
Abertura de possibilidades
As cooperativas nas periferias podem alterar toda a dinâmica de funcionamento nesses territórios. Um exemplo citado pelo presidente da OCB/RJ é a abertura de possibilidades para todos na região. Ele cita a abertura de um mercado, por exemplo, ao invés de vários mercados serem concorrentes, eles podem se unir e constituir uma cooperativa e todos trabalharem coletivamente.
“Aumentam a produção, a viabilidade e as perspectivas do negócio. E esse posto de trabalho pode contar com cooperados de diversas especialidades. E o mais importante: todos têm direito a voto para contribuir para o futuro da cooperativa”, ressaltou Vinicius.
Ainda no caso do mercadinho de bairro, pode-se também ter uma cooperativa para que todos os estabelecimentos de determinada região comprem produtos mais baratos quando unidos em uma cooperativa. “Pequenos comércios têm a necessidade e podem criar uma cooperativa para realizarem compra de produtos para seus estabelecimentos e diminuir custos”, falou o presidente da Unicopas, Francisco Dal Chiavon.
O cooperativismo permite que os mais variados trabalhadores possam se unir em uma cooperativa, por exemplo, pedreiros, pintores, eletricistas e encanadores podem se unir para oferecer seus serviços não somente no bairro que moram, mas atingir outras regiões e todos ganham no final. Todas as profissões podem se unir e criar uma cooperativa.
“O sistema cooperativo é fundamental para outros serviços, como costura, artesanato, de aplicativos de entrega, mas é um processo que também depende do Estado fomentar e garantir esse processo formativo e informativo também”, falou o covereador Alex Barcelos (PSOL).
A necessidade e a vontade devem permear a criação de uma cooperativa, mas ter apoio é essencial no início, e é isso que a OCB/RJ faz quando uma pessoa ou um grupo procuram eles para conhecerem o que é o cooperativismo. “Por meio de um estudo de viabilidade do negócio. Aqui no Rio de Janeiro, temos um programa de orientação cooperativista. Um grupo interessado manifesta o interesse em constituir uma cooperativa. A partir desse ponto, nossos técnicos fazem uma análise do cenário, com base nas habilidades e conhecimento dos futuros cooperados e se há no local uma cooperativa com as mesmas características”, explicou Vinícius, presidente da OCB/RJ.
Nesse mesmo caminho de apoio na constituição de uma cooperativa, a deputada estadual Márcia Lia (PT) em seu mandato tem apoiado cooperativas no Estado de São Paulo, oferecendo apoio jurídico, abrindo a possibilidade de desenvolvimento social e econômico.
“As cooperativas têm um papel fundamental e por isso recebem todo o nosso apoio”, afirmou a deputada.
Cooperativismo é a ferramenta para diminuir desigualdades, gerar trabalho e renda e dar dignidade às pessoas e como disse o Vinicius:
“Em suma, o cooperativismo substitui a relação emprego-salário pela relação trabalho-renda. Em uma cooperativa, o que tem mais valor são as pessoas e quem dita as regras é o grupo”.
Redação EasyCOOP - Manoel Paulo / Foto: ShutterSotck