Hoje gostaria de compartilhar duas coisas contigo.
A primeira é a nossa nova edição do Jornal do Cooperado, que nos traz quatro matérias que mostram a luta das cooperativas pelo direito constitucional de liberdade. Nossa edição conta com a posição da CARITAS DO BRASIL, da FAF e do MST que querem o fim do registro obrigatório das cooperativas a uma ONG criada pela Ditadura Militar em 1971.
A segunda coisa que quero compartilhar contigo é a participação do autor do PL 1277/2014, o ex-Deputado Estadual Adriano Diogo que, além de Deputado por muitos anos, também foi presidente da Comissão da Verdade e sempre lutou pela democracia. Este Projeto de Lei, 1277/2014, acaba com o com o registro compulsório das cooperativas a uma ONG no estado de São Paulo.
A entrevista é muito forte, pois Adriano Diogo é uma homem vivido, que sofreu na pele todos os horrores da ditadura e de desavisado não tem absolutamente nada. Pois é assim que esta ONG descreve os vereadores que fizeram a Lei no município de São Paulo e também agora os Deputados no estado de São Paulo, taxam-nos de desavisados. A entrevista no Jornal do Cooperado está resumida. Abaixo estamos colocando ela na íntegra para que você assista e sinta um pouco do que senti ao entrevistar o Adriano Diogo.
A entrevista com Adriano Diogo, além de me trazer conhecimentos que eu não tinha, me fez refletir sobre a importância do PL 1271 e 1277/2014 que acaba oficialmente com uma aberração criada como uma extensão da ditadura no campo. A entrevista foi uma aula de história ministrada por alguém que viveu todo o inferno da ditadura. Ele nos mostra que estamos unidos em uma luta justa, solidária e democrática, que não será fácil, mas será vencida.
Eu sou apenas a pessoa que traduz o sentimento de milhares de cooperativistas e junto coloco o meu sentimento.
Entrevista com Adriano Diogo, autor do PL 1277/2014 na ALESP Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo Publicada no Jornal do Cooperado
Ocesp é fruto da ditadura, diz Adriano Diogo
O ex-deputado Adriano Diogo (PT) se inscreve na seleta lista de políticos brasileiros sobre os quais não recai nenhuma mácula. Muito pelo contrário. A trajetória desse geólogo, filho de descendentes italianos do tradicional bairro paulistano da Mooca, é de luta corajosa contra o autoritarismo e a favor da justiça social e da democracia. Enfrentou a ditadura militar e teve papel de destaque nessa luta, ainda no movimento estudantil a partir de 1963, quando tinha apenas 14 anos, e foi preso e perseguido por ela. Nunca desistiu. Em vez disso, mesmo depois da ditadura, continuou a luta e foi presidente estadual da Comissão da Verdade. Foi vereador da capital paulista por quatro mandatos e deputado estadual por outros três – além de secretário municipal do meio ambiente na administração de Marta Suplicy. Entre diversos projetos, ele é autor do projeto de lei que estabelece o fim da obrigatoriedade de registro obrigatório das cooperativas na Ocesp. “Acho que não tem cabimento que haja uma lei desse tipo hoje em dia”, diz ele, sobre o registro compulsório. Desiludido da política institucional, Adriano Diogo diz que não voltará mais a se candidatar depois de não ter conseguido se eleger deputado federal nas eleições do ano passado. Vítima da mesma onda conservadora que tirou também a cadeira de Eduardo Suplicy no Senado, quem mais perdeu foi o país, que ficou sem dois políticos dedicados às causas populares, o que inclui as pequenas cooperativas. Fora da política institucional, mas ainda um militante das mesmas causas de sempre, Adriano Diogo falou ao Jornal do Cooperado. Acompanhe.
O senhor tem um histórico inquestionável e uma vida inteira de luta contra o autoritarismo. Viveu os anos mais sombrios da ditadura. O que o senhor pode nos contar sobre esse período em relação ao cooperativismo?
A Ocesp é o fruto mais puro da ditadura. Ela foi fundada em 1970 pelo então ministro [Luís Fernando] Cirne Lima. Foi a fusão de várias organizações. Depois que o [general Emílio Garrastazu] Médici assumiu a presidência, ele nomeou Cirne Lima para o Ministério da Agricultura. Ele é o criador da Ocesp. E a Ocesp nada mais é que uma organização dos fazendeiros que propuseram o golpe e usufruíram dele. É uma organização que deveria ser analisada pelos crimes que cometeu no campo, como trabalho escravo.
A Ocesp foi criada para impedir o avanço da reforma agrária. Ela é uma das responsáveis pela introdução dos chamados boias-frias, no interior, principalmente na cana-de-açúcar. Porque o golpe teve uma característica: ele acabou com a agricultura familiar. Transformou todo o interior em grandes empresas, empresas de cana, de suco de laranja. Isso inclui também as bacias leiteiras, ligadas a grupos multinacionais. O golpe acabou com o pequeno agricultor familiar, que tinha uma pequena propriedade. Ele não tinha crédito bancário, não tinha nenhum incentivo, veio morar na cidade, na favela da cidade, e arrendou a terra para os grandes grupos econômicos, que substituíram a produção familiar, a pequena produção. A Ocesp é o Luta contra o autoritarismo marca a trajetória de Adriano Diogo núcleo central da organização da ditadura, junto com a Copersucar, com o Proálcool.
Muita gente sofreu nesse processo, não?
Sim, muita gente morreu, foi torturada. A história da Ocesp é a história da ditadura no campo e do trabalho escravo. Cirne Lima andou com [o ministro] Jarbas Passarinho pelo país inteiro neutralizando os conflitos e perseguindo os trabalhadores rurais. [O presidente do Senado] Auro de Moura Andrade titulou todas as terras devolutas da União do Pontal do Paranapanema, tanto que a cidade sede do Pontal é Andradina, que vem do Andrade, do Moura Andrade. Em Presidente Prudente, também aconteceu um monte de barbaridades. O golpe fez a revolução no campo, contra a reforma agrária.
O que o senhor acha da legislação atual para as cooperativas?
Acho que não tem cabimento que haja uma lei desse tipo hoje. Embora a Ocesp se diga uma cooperativa ou uma ONG, ela não é nem uma coisa nem outra. É uma empresa, uma gerenciadora. Não é possível que haja uma lei estadual que obrigue todo mundo a estar cadastrado nesse símbolo da ditadura, da tortura e da repressão.
A Ocesp diz que quem não é registrado está na ilegalidade, é uma coopergato, e tem feito uma campanha de intimidação. Como o senhor vê isso?
Vejo com muita dor, com muita tristeza. A Assembleia Legislativa tem uma forte influência da oligarquia rural. Por exemplo, aqui no Estado de São Paulo foi descoberto o Aquífero Guarani [o maior manancial subterrâneo de água doce do mundo, passando sob o solo de Paraguai, Uruguai, Argentina e de sete estados brasileiros]. Toda essa água, essa coisa maravilhosa, está nas mãos dos fazendeiros, que podem desviar qualquer rio. Antigamente, no Estado de São Paulo, o governo fazia os polders, termo técnico para canais de irrigação, como as ferrovias, que eram feitas para a sede das fazendas dos barões do café. Eram rios de irrigação para abastecer, e os fazendeiros tiravam água com a bomba, sem hidrômetro, sem pagar nada. Até hoje esse regime funciona com os rios e, agora, com o Aquífero Guarani.
O que fazer?
Eu quero pedir aos deputados, respeitosamente, principalmente ao deputado Campos Machado, que reveja essa lei. Campos Machado é um dos mais importantes parlamentares do Estado de São Paulo. É importante rever essa lei porque a Ocesp é uma empresa, que tem seus interesses políticos, lógico, mas não se admite mais na democracia uma entidade da oligarquia agrária, quase feudal. É um absurdo que toda cooperativa tenha que estar registrada na Ocesp. Peço o mesmo também ao deputado Barros Munhoz, que foi ministro da Agricultura. As pessoas que mais conhecem essa realidade não querem revogar essa lei.